O Discípulo ou A Discípula
1) Quem é o(a) discípulo(a)?
Falamos de discipulado, elaboramos estratégias para implementar este programa, que caracteriza o modo bíblico de ser Igreja. Mas precisamos nos deter um pouco mais no grande objeto desta ação de Deus, e cuja responsabilidade ele concedeu à Igreja. Qual seja o discípulo ou a discípula.
Comecemos na dimensão lingüística a expressão mathetes, que quer dizer discípulo, ou no cotidiano da língua, o aprendiz, alguém que se dispõe a aprender com um mestre, uma profissão, uma arte, um estilo de vida. O termo é usado no Novo Testamento maiormente para indicar, os que foram iniciados na fé cristã por Jesus, os 12 discípulos, passando a ser ampliado a todos os seguidores, alunos(as) de Jesus (cf. At 6.1). Que são em essência, todos que aceitam Jesus como Senhor e Salvador, e em seu nome são batizados, tornam-se para o resto da vida discípulos(as). Quer dizer quem segue a Jesus e dEle aprende, segue aprendendo pelo resto de sua vida. Ainda que no Corpo de Cristo, venha ocupar a posição de mestre, pastor(a) ou profeta, jamais pode deixar de ser discípulo do Senhor Jesus. Não para nunca de apreender. (cf. Gl 1.12). É humilde, é ensinável, seu coração está sempre aberto a aprender, afinal é um aprendiz, um aluno, sim, um discípulo.
2) O discípulo é seguidor do mestre.
Falamos do mathetes, o discípulo, aluno, aprendiz de Jesus, alguém desejoso de aprender. A este substantivo que é fundamental no discipulado, une-se o conceito transcrito no verbo akoloutheô, que significa ir para algum lugar com outra pessoa, acompanhar, ir atrás de alguém, seguir (1). No Novo Testamento o termo aparece 80 vezes, sendo 70 delas nos Evangelhos, o ministério de Jesus, sua caminhada é o grande objeto desta relação de seguimento.
Sua chamada é decisiva, quem o segue, é o convertido, alguém alcançado pelo carisma, poder de Deus, em Jesus. Por isso, seu convite ilustrativo no início do Evangelho: “... o tempo está cumprido, e o Reino de Deus é chegado, arrependei-vos (mudem de mente, de rumo), e crede no Evangelho.” (Mc 1.15). A seqüência desta passagem é junto ao mar da Galiléia: “... vinde após mim, e eu vos farei pescadores de homens. Então eles deixaram imediatamente tudo e o seguiram.” (Mc 1.17-18). A expressão que fecha o verbo é a forma do aoristo grego do verbo citado de seguir, acompanhar. Gosto das expressões de J. Jeremias na sua teologia do Novo Testamento, ele diz: “Jesus vê os homens correndo para sua perdição. Tudo está pendente por um fio. Esta é a última hora. O prazo da graça está passando. Jesus incansavelmente, assinala o perigo da situação presente. Este é o último minuto para buscar o acerto com seu adversário (cf. Mt 5.25, Lc 12.58s). Ou em qualquer instante pode ressoar o aviso, e é chegado o noivo! E como na parábola das 10 virgens o cortejo nupcial entra na sala, com as lâmpadas acesas, e é fechada a porta (cf. Mt 25.1-12). Cuidado que não falte azeite na tua lâmpada ... Em uma palavra, relatos iguais a este querem dizer: Converta-se enquanto há tempo. A conversão é a exigência da hora, e é necessária não somente aos tidos pecadores, mas também dos que a seu juízo não tinham necessidade de penitência (cf. Lc 15.7); é para as pessoas que não cometeram pecados grosseiros. Para eles também é urgentíssima a conversão.”(2).
Este estado da vida humana exige a conversão, e a evidência disto, é: “Segue-me! Ele ... o seguiu.” (Mt 9.9). É sucinto, mas claro, tanto o convite a Mateus, Levi, como a resposta deste. Em seguida Jesus dá uma direção ao jovem rico: “Vai, vende tudo o que tens, dá-o aos pobres... depois vem e segue-me.” (Mt 19.21). Aqui é radical e imediato o convite ao jovem rico; ou seja, converta-se e siga-me. A conclusão é que ao nos convertemos e seguirmos a Jesus, nos tornamos então seus discípulos(as), dEle aprendendo, por Ele atraídos, ou como diz o Apóstolo Paulo: “Mas o que, para mim, era lucro, isto considerei perda por causa de Cristo. Sim, deveras considero tudo como perda, por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; por amor do qual perdi todas as coisas e as considero como refugo, para ganhar a Cristo e ser achado nele...” (Fl 3.7-8). Lembrando que para seguir não podemos nos afastar dEle, ou perde-lo de vista. O discípulo de Jesus é diferente do discípulo dos Rabis, seu seguimento é para toda vida, e seu aprendizado nunca acaba.
3) Características básicas do Discípulo ou da Discípula.
Além do que mencionamos da natureza do discípulo-discípula, deixe-me repartir algo mais acerca do perfil do(a) discípulo(a).
Considero importante sublinhar algo mais, porque o Senhor Jesus fez severas exigências aos que queriam ser e aos que seriam seus(suas) discípulos(as), algumas delas são praticamente esquecidas nestes dias de culto ao prazer, a vaidade. É a ética deste tempo que devemos usufruir o melhor que esta vida pode oferecer, custe o que custar. Cristãos estão vivendo mais esta ética que a ética do seguimento a Jesus, o discipulado. A tendência que vemos é pastores e pastoras, lideranças em geral, se conformando a esta situação, e mesmo aderindo a isto, construindo uma teologia do prazer e do bem-estar, que indiretamente reforça os valores de uma sociedade distante do Deus bíblico. Edificamos uma religião de compensação, de prazer, de muito a receber, e de nenhuma doação da vida, entrega, mudança de caráter, sim, nova vida e novo nascimento. Por isso, reconstruir a trajetória de o que é um discípulo, biblicamente, é reconstruir a base da igreja, ela não é verdadeiramente composta de membros sem compromisso, mas de discípulos(as).
a) “Se alguém vem a mim e não aborrece a seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs e ainda a sua própria vida, não pode ser meu discípulo.” (Lc 14.26)
Tive muitas dificuldades com este versículo, porque família é algo decisivo, maravilhoso, além de bíblico. Mas hoje entendo que Jesus estava definindo prioridades, e prioridades saudáveis. Pois a exigência de Jesus é que devemos amá-lo e servi-lo com todo o nosso ser, e este amor a Jesus gera em nós tamanha graça, unção e poder, que os primeiros beneficiários são os mais próximos a nós, nossa família. Tenho ensinado que na vida do discípulo, a ordem é esta: 1) Deus (Jesus); 2) Família; 3) Igreja e a missão. Reconheço que alguns por força da missão e do discipulado, tem pago um preço e com ele e sua família. A expressão é que além da família ele aborrece sua própria vida. Ou seja, não há discipulado sem negar nossos próprios interesses.
b) Abnegação – “Se alguém quer vir após mim a si mesmo se negue ...” (Lc 14.33)
Aqui há uma continuação do que dissemos acima, e muito mais. Negação não é o mesmo que renúncia. Esta é abster-se de alimentos, roupas, prazeres, posses, e isto pode ser temporariamente, que é o mais comum, caso de quem jejua. Negar-se a si mesmo é um desafio ao discípulo, para atender um projeto de vida e seguimento a Jesus. Significa, sim, total submissão a Cristo, “... não mais eu ... mas Cristo vive em mim.” (Gl 2.20)
Para ser discípulo do Senhor Jesus é preciso abandonar tudo. Este é o inconfundível significado das palavras do Salvador. Não importa quanto possamos objetar a uma exigência extrema assim, não importa quanto possamos rebelar-nos contra uma política impossível e imprudente como essa – permanece o fato de que esta é a Palavra do Senhor, e Ele pretende dizer o que diz.
De início, devemos encarar estas verdades inexoráveis:
· Jesus não fez esta exigência a uma certa classe seleta de obreiros cristão. Disse: “... todo aquele que entre vós ...”
· Não disse que devemos estar simplesmente desejosos de abandonar tudo. Disse: “... todo aquele que dentre vós renuncia ...”
· Não disse que devemos renunciar somente a uma parte da nossa riqueza. Disse: “... todo aquele que dentre vós não renuncia a tudo quanto tem ...”
· Não disse que uma forma diluída de discipulado seria possível ao homem apegado aos seus tesouros. Disse Jesus: “... não pode ser meu discípulo.”
Na verdade não deveríamos surpreender-nos com esta exigência absoluta, como se fosse a única indicação desse tipo na Bíblia.
Como Wesley acertadamente disse: “Juntar tesouro na terra é tão claramente proibido por nosso Senhor como o adultério e o homicídio.” (3)
c) Escolher a cruz – “Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz, ...”
Devemos fazer uma correção ao conceito popular de cruz. Dizem no meio do povo: “ ... esta enfermidade é a minha cruz.” Ou: “Meu marido que bebe muito é a minha cruz.” Isto é um equívoco, tais casos podem ser chamados de opressão, tribulação, mas nunca de cruz. Cruz é algo que o(a) discípulo(a) decide e escolhe deliberadamente. Muitas vezes como foi com Jesus é algo que gera até crítica, ou humilhação. É optar pelo desconforto, pela perseguição, exemplificando, são os ultrajes vários que foram acumulados, lançados contra Jesus, contra Paulo, contra Wesley, este teve proibida sua pregação nos templos Anglicanos.
d) Disposição para seguir em toda e qualquer situação – “... tome a sua cruz e siga-me.” (Mt 16.24)
Bonhöeffer, em seu livro sobre o discipulado (4), comentando o chamado de Levi (Mateus), diz o seguinte: “Soa a chamada, e logo se segue o ato de obediência – o seguiu.” (Mc 2.14) Ele comenta que o texto estranhamente faz silêncio sobre o que se passa entre chamada e seguimento, não explica. E então dá a sua explicação: “Por que não há explicação? Porque para esta justaposição de chamada e ação só existe uma razão válida: o próprio Jesus Cristo. É ele quem chama, e por isso o publicano O segue. A autoridade sem reservas, direta e fundamental, de Jesus é testemunha neste encontro ... O fato de Jesus ser o Cristo dá-lhe todo o poder para chamar e para exigir obediência à sua Palavra.” Eu acrescento, o poder atraente e constrangedor da chamada de Jesus, está no poder do Espírito de Deus que estava sobre Ele. Isto precisamos nós, ouvidos para ouvir Deus, e unção para chamar em nome de Deus.
e) Amor a Igreja, amor aos perdidos. “Mas Deus prova o seu próprio amor para conosco pelo fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores.” (Rm 5.8)
Deus depende dos discípulos e discípulas para tornar conhecido o seu amor pela Igreja e pelos perdidos. Lucas 15 é uma sucessão de parábolas que ilustram que a festa no céu por cada pecador que se arrepende. É o que é a Igreja, senão a comunidade dos pecadores arrependidos da vida de pecado, e dispostos a viver para Deus.
Cristo amou a Igreja! Esta não é uma frase original. Veja o que disse Paulo aos Efésios: “Maridos, amai vossa mulher, como também Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela, para que a santificasse, tendo-a purificado por meio da lavagem de água pela palavra, para apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, porém santa e sem defeito.” (Ef 5.25-27). Jesus amou a Igreja e a escolheu parra ser sua noiva, e sua mensageira ao mundo, a ação fundamental do Espírito do Senhor no mundo se dá na Igreja e através da Igreja. Consiste em pecado grave levantar nossa língua contra a Igreja, que afinal somos nós mesmos especialmente, nós, pastores(as) e líderes. Jesus quer que a Igreja seja espiritualmente saudável, e isto passa pela vida dos(as) discípulos(as), é exigência do Senhor que amemos a Igreja, o Corpo de Cristo, os irmãos e irmãs. “Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns aos outros.” (Jo 13.35). Amar a Igreja é orar por ela, integrar-se a ela, preservar sua unidade, etc...
Cristo amou o mundo, chorou por Jerusalém, e teve compaixão do povo, pois eram ovelhas sem pastor. Isto obriga que o(a) discípulo(a) tenha como Cristo paixão, amor pelos perdidos na linguagem de Wesley: “Paixão pelas almas. Restituir esta paixão no coração dos discípulos e discípulas é restabelecer a ordenança de Jesus á Igreja.” (5)
“Pois o Filho do Homem não veio para destruir as almas dos homens, mas para salvá-las.] E seguiram para outra aldeia.” (Lc 9.56); “Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei.” (Mt 11.28). “E disse-lhes: Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura.” (Mc 16.15)
Todo o(a) discípulo(a) qualquer que seja seu ministério deve estar sempre impregnado de um profundo amor pelas vidas sem Cristo. John Knox orava pela Escócia objetivamente: “Senhor, dê-me a Escócia ou eu morro”. John Wesley exortava os pregadores leigos: “Vamos todos ter um só objetivo. Vivamos só para isto, para salvar as nossas almas e as almas daquelas que nos ouvem.” Este zelo é que o(a) discípulo(a) precisa restaurar em sua vida, a cada dia.
CITAÇÕES:
(1) Blendinger, C. – Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Ed. Vida Nova. 1984. Pg. 658, 659.
(2) Jeremias, J. – Teologia del Nuevo Testamento. Madrid: Ed. Cristiandad. 1977. Pg. 182.
(3) Mc Donald, William – O Discipulado Verdadeiro. São Paulo: Ed. Mundo Cristão. 1979. Pg. 3.
(4) Bonhöeffer, D. – Se não morrer, Fica Só. Lisboa: Ed. Alegria. 1961. Pg. 43-44.
(5) Duewell, Wesley – Em Chamas para Deus. São Paulo: Ed. Candeia. 1994. Pg. 100-101.
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