"Respondeu Amós, e disse a Amazias:
Eu não sou profeta, nem discípulo de profeta,
mas boieiro e colhedor de sicômoros." (Am 7:14)
Em nossa reflexão acerca de uma igreja missionária estamos refletindo sobre características do Metodismo de John Wesleu que fizeram dele uma força de profundo impacto missionário na Inglaterra do Século XVII e nos Estados Unidos do final do século XVIII e do século XIX.
1) A ÊNFASE NO MINISTÉRIO LEIGO:
John Wesley, com a ajuda de sua mãe Suzana, fez no início do movimento Metodista uma descoberta que se tornou um dos meios pelo qual o Metodismo veio a ser uma grande força missionária.
Wesley havia recebido a notícia de que um jovem leigo, membro dos grupos metodistas e exortador nesses pequenos grupos, chamado Thomas Maxfield, estava pregando. John Wesley entendia que somente os pastores estavam credenciados a pregar, e por isso dirigiu-se ao local onde Thomas Maxfield iria pregar com o intuito de proibir tal prática. Acabou sendo impedido por sua mãe, que o instou a ouvir o jovem. Wesley constatou ser aquele jovem ungido para pregar o Evangelho. Tal episódio é reconhecido por todos os historiadores do Metodismo como fundamental para o credenciamento dos pregadores leigos do Metodismo primitivo.
Muitos foram os homens simples que foram usados por Deus que Wesley passou a incentivar tal ministério. João Nelson, um forte pedreiro, se tornou famoso por sua coragem e ousadia ao enfrentar as adversidades.
Cabe dizer que Wesley exigiu desses homens muita leitura, ao ponto de organizar uma biblioteca básica, que eles eram obrigados a ler; pois sem a leitura não seriam autorizados a pregar. Com isso Wesley estava retomando um princípio bíblico: Deus, na história da salvação, levantou muitos servos humildes, como Amós e os pescadores André e Pedro.
2) ÊNFASE NOS GRUPOS PEQUENOS DE EDIFICAÇÃO E DISCIPLINA CRISTÃ:
Os grupos pequenos ou sociedades metodistas foram o modo como o Metodismo começou. Já existiam naquela época, na Inglaterra, as sociedades religiosas. Wesley pegou esta idéia e a transformou em uma força de expansão missionária.
As sociedades metodistas tinham por objetivo manter os convertidos num crescimento na experiência da salvação e santificação. O testemunho de Wesley acerca da vida de um desses grupos, que ele mesmo havia examinado, é o seguinte: "O testemunho de alguns não podia eu aceitar, mas a respeito da maioria é (a não ser que de propósito mentissem): 1- Que não sentem pecado no íntimo e, quanto sabem, que não cometem pecado exteriormente; 2 - Que se vigiam e amam a Deus a cada momento, e oram, louvam e dão graças sempre; 3- Que têm testemunho da sua santificação, tanto como a sua justificação. Agora eu me regozijo, e continuarei a me regozijar. Gostaria que milhares tivessem tal experiência. Deixai-os, depois, experimentar tanto quanto Deus quiser."
Assim as sociedades metodistas e seus pequenos grupos de 12 pessoas foram a base para o surgimento do Metodismo. Cabe dizer que ser parte dessas sociedades era coisa séria. Quem não estivesse imbuido de ideais de vida santa e consagrada era expulso da sociedade (Igreja).
Um exemplo disso é encontrado no diário de Wesley, na data de 12 de março de 1743. Como resultado do exame que fez em visita à sociedade de New Castle, conta ele que alguns foram expulsos. "O número dos que foram expulsos da sociedade era de 64: Dois por blasfêmia e juramento. Dois por habitual quebra do dia de descanso. Dezessete por embriaguez. Dois por venda de bebidas alcoólicas. Três por desavença e briga. Um por bater na esposa. Três por mentira habitual e premeditada. Quatro por afronta e maledicência. Um por indolência e preguiça. Vinte e nove por leviandade e descuido." Ser metodista era coisa séria! E continua sendo!
Hoje, entendo que os pequenos grupos podem ser um veículo para a fixação e discipulado dos novos convertidos; devemos retomar essa saudável tradição do Metodismo primitivo.
3) ÊNFASE NO COMPROMISSO SOCIAL DO EVANGELHO:
John Wesley conseguiu reunir na sua teologia aspectos que na maioria dos movimentos evangélicos estão distanciados ou mesmo esquecidos. Trata-se do compromisso com a prática da misericórdia, socorro aos pobres e discriminados de toda espécie. Preservando assim, essa ênfase ao lado da ênfase na piedade, ou seja, oração, jejum, etc... Essa convergência faz do movimento Metodista uma denominação cristã, na minha opinião, a mais próxima da prática e da pregação de Jesus, assim como das comunidades cristãs primitivas, tendo sido na Inglaterra do século XVIII uma força missionária de transformação.
A ênfase no compromisso social decorrente do Evangelho, na vida e ensino de John Wesley, não se restringiu a ação social, ou seja, a ações de solidariedade com os pobres e discriminados. Mas, e principalmente, numa postura de permanente vigília profética. Uma das frases célebres de John Wesley aponta essa visão: "O Evangelho de Cristo não conhece outra religião senão a social; nenhuma santidade senão a santidade social."
Wesley envolveu-se em muitas questões de vanguarda social e política na Inglaterra. Uma delas foi o combate à escravidão, fruto do preconceito racial e da cobiça e dominação econômica do "Império Inglês". Ele publicou em 1774 um forte texto contra a escravidão, chamado "Pensamento sobre a Escravatura". No texto ele fala a respeito de Liverpool: "Metade da riqueza de Liverpool é derivada da execrável soma de todas as vilanias comumente denominadas comércio de escravos. Desejaria por Deus que o comércio de escravos nunca mais seja estabelecido. Que nunca mais roubemos e vendamos nossos irmãos como animais, nunca mais os assassinemos aos milhares e milhares e dezenas de milhares." Podemos encontrar este texto na página 31 do livro Linha de Esplendor sem Fim, de Halford Luccok, da Imprensa Metodista.
Na última carta de Wesley, escrita a Wiberforce quatro dias antes da sua morte, recomendava que este prosseguisse em sua luta contra a escravidão. Cito parte dessa carta (cf. página 68 de El Wesley del Pueblo, de W. MacDonald, Cupsa, México, 1985): "Prossiga com Deus, e em nome de Deus e n poder de sua força, até que a escravidão na América (o maior dos males debaixo do sol) seja varrida por completo."
Wesley (e o Metodismo primitivo) abraçou muitas outras causas sociais. A educação é outro grande exemplo. Hoje, o Metodismo lidera no mundo todo movimentos de luta contra o racismo, apoio à criança, luta pelos direitos indígenas, etc. Isso como conseqüência de uma visão de evangelização integral. Wesley entendia e nós metodistas entendemos hoje que o ser humano e a sua comunidade precisam ser restaurados. O pecado não desfigurou apenas a pessoa humana, mas também a sociedade e suas instituições. Desse modo a ação evangelizadora do povo chamado metodista inclui uma ação profética em favor da vida, da justiça, da paz, da cidadania. De modo que o ser humano e seu meio ambiente sejam reconciliados com Deus e seu Reino.
4) CONCLUSÃO:
Estou com este pequeno artigo encerrando a série de reflexões bíblica, histórica e teológica sobre aspectos de uma Igreja Missionária. De tudo que escrevemos fica a certeza de que não existe Igreja Missionária a não ser na rua, fora das paredes e pra além dos portões, como aponta o Rev. Caio Fábio em seu livro "A Igreja Fora do Portão". Isso quer dizer que a Igreja no santuário (templo) é uma conseqüência da Igreja na missão das ruas de nossas cidades, bairros, vilas, etc. Continuo afirmando que nós Metodistas somos devedores aos demais brasileiros de uma ação mais transformadora na vida de nosso país. Esse "impacto", fruto de uma maior dinâmica missionária, certamente há de vir. Pois, para isto, todos nós estamos trabalhando. Amém!
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