Rio,
5/7/2008
MANDE-OS EMBORA (Joćo 6: 1 - 14)
Elias Boaventura
Esta ordem em epígrafe, registrada no Novo Testamento, teria sido dada em circunstâncias muito difíceis em que os tecnocratas, considerados eficazes só viam a exclusão e o descarte das pessoas como única solução para o grande problema que enfrentavam. O texto nos diz que Jesus se encontrava no meio do povo, quatro mil pessoas aproximadamente, que o lugar era deserto, distante, não havia alimentos, já era tarde e estava anoitecendo. Os discípulos organizadores, com sua visão técnica “eficaz”, dentro do sistema de troca, e provocados por Jesus, só enxergavam esta saída e orientados pelo técnico Felipe sugeriram: Exclua-os, mande-os embora, matematicamente não há outra solução neste momento. Receberam entretanto diferente e estranha orientação: “dêem vocês mesmos a eles o que comer”, respeitem suas necessidades básicas, não os descartem assim tão friamente. Os técnicos administradores rapidamente fizeram os cálculos e foram categóricos: “não é possível, precisaríamos de muito mais dinheiro” e nesta situação de escassez e de tanta demanda só a exclusão é viável, porque são eles o problema. Nestas circunstâncias apareceu o que eles consideravam um sonhador, romântico, talvez ingênuo, com proposta pedagógica ultrapassada, que considerava a força da disponibilidade humana e a oportunidade do sistema de doação. Como resposta, disse o romântico, há aqui uma possibilidade que podemos testar. Há entre nós um garoto frágil, que disponibilizou o que tem em seu embornal, o que ele possui, é muito pouco para tantos, mas está à disposição. Do garoto pouco se ficou sabendo. Se estava sozinho, qual a escolaridade dele, de que raça era, quem era sua família e porque se encontrava ali. Nada foi dito. Há uma grande lacuna de informações, apenas se disse que ele se encontrava disponível e que ouvido e chamado a participar pôs à disposição o que possuía e criou um ambiente de grande entusiasmo e prontidão. Jesus agradeceu, mandou que todos se colocassem em ordem, não excluiu ninguém e determinou a todos que não praticassem desperdício em tempo de tanta escassez. Enfim, aconselhou que organizadamente eles participassem e que houvesse justa distribuição daqueles bens. Esta narrativa simbólica, emblemática, revela que em tempos difíceis, de problemas imaginários, inventados ou reais, de escassez de recursos, a chamada à participação e a adoção do princípio de doação e solidariedade em lugar do frio princípio de troca pode ser o caminho. Atentemos para o fato de que Jesus não pediu nada em sua prece, porque não se fez necessário, apenas agradeceu. O milagre se deu entre homens e mulheres e por força da compreensão social deles, sem mentiras ou falcatruas. Eles se fizeram companheiros e participaram com credibilidade e muita solidariedade da difícil situação, porque foram respeitosos. Talvez valha a pena às organizações religiosas ainda decentes, abrirem os olhos para crises que vivem aqui e acolá, tentarem experimentar a força da participação de todos e substituírem a perversa e demoníaca frase “mande-os embora” pela ordem “dêem-lhe vocês a eles o que comer”. Em nossos dias grandes e sérios empresários, embora não confessionais, vêm dando conta da força da espiritualidade inteligente e da solidariedade como meio de equacionar os problemas em suas empresas e por fim à postura medíocre, pobremente tecnicista que não conduz a lugar nenhum. Apesar disto ainda existem cabeças pequenas que insistem na exclusão, no “mande-os embora” como solução dos problemas. Pena que isto ainda exista, porque todos nós antecipadamente sabemos que atitudes assim provocarão sofrimentos e não vão dar certo.
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