Desde de muito cedo o homem obstinadamente constrói templos. Desde um amontoado de pedras até algumas das sete maravilhas do mundo, templos e mais templos foram, construídos. Mas hoje, ao que parece, estamos extrapolando qualquer geração anterior a nossa. De tanto ver a proliferação de casas de culto a conhecida irreverência carioca criou a máxima “templo é dinheiro” e a colocou na boca do primaz da Igreja Universal, bispo Edir Macedo, sem dúvidas o maior construtor em número e em suntuosidade de templos de nossos dias. Mas com que finalidade a humanidade, que é cada vez mais consciente de que a sua responsabilidade quanto ao presente e ao futuro é intransferível persiste em construir templos? Em um rápido retrospecto, os homens primitivos escolhiam locais e preparavam toscos arranjos com a finalidade única de se fazerem notados pela entidade invisível ou incompreendida que supostamente tinha o domínio territorial local. Algo como se estivessem cantando Jesus Cristo, eu estou aqui. Com o avançar da civilização, as construções adquiriram o propósito de simbolizar poder. Quanto mais poderoso era um povo, tanto mais poderoso deveria ser o seu deus e a prova cabal de tudo isso se concretizava na grandiosidade da sua casa. Desta premissa, nem o povo judeu, conhecido pela sua prática monolátrica e pela sua fé monoteísta, escapou. Em IICr 2:5 constatamos isto: “A casa que edificarei há de ser grande, porque o nosso Deus é maior do que todos os deuses.” Fica a pergunta: Por que um povo que proclama a existência de um Deus único, faz questão de construir um templo para que concorra com templos dedicados a deuses que convictamente sabe não existirem? Penso estar justamente aí o x da questão. Para que, em uma análise baseada no pensamento cristão, se constrói templos?
Se revíssemos o relacionamento que Jesus manteve com as sinagogas e com o templo de Jerusalém, verificaríamos que zelo e reverência não faltaram, mas não se pode dizer que ele próprio tenha iniciado seus discípulos na prática de construção de templos pelo mundo a fora. Pelo contrário. Quando questionado pela mulher samaritana, a mais improvável discípula que Jesus conquistou, sobre qual seria o verdadeiro local de adoração, descartou a sacralização de qualquer lugar ou edificação porque os verdadeiros adoradores deveriam, a partir daquele momento, adorar a Deus em espírito e em verdade. O que Jesus tentou nos ensinar, baseado na sua própria experiência, é que a dinâmica da fé e da adoração jamais deve estar vinculada a um objeto material, que por maior valor que possua, posto que é transitório e efêmero, mas sim para a entrega irrestrita do ser em tudo o que fizer em qualquer circunstância da vida. A história não tardou em lhe dar razão na conhecida sentença proferida a cerca de um dos mais espetaculares templos construídos pela humanidade, “Não ficará pedra sobre pedra”. Mas isso não nos assegura de que Jesus era contrário à construção e a existência de locais de culto, o sermão que marca o início do seu ministério acontece justamente na sinagoga que freqüentava. Mas foi justamente aí que determinou o parâmetro pelo qual deveria ser medido aquele que se diz filho de Deus é que movido pelo seu Espírito: evangelizar os pobres; proclamar libertação aos cativos, restauração da vista aos cegos, pôr em liberdade os oprimidos e apregoar o ano aceitável do Senhor. Nada falando sobre a prioridade da construção de templos.
Voltando a questão, quem é diretamente o mais beneficiado na construção de um templo?
Deus? Ficaria ele ainda mais poderoso com isso? Poderia exercer melhor a sua soberania? Abreviaria, deste modo, a chegada do seu Reino.
Cristo? Teria maior aceitação com um maior número de templos? Seria mais prontamente reconhecido como Filho do Altíssimo? Encontraria o seu ministério mais facilidades do que aquelas que recusou como ofertas do Tentador no deserto?
O Espírito Santo? Seria mais propício a ele ter muitos lares com vários endereços? Agiria com mais eficácia nos locais que foram prescritos para a sua moradia?
Uma vez que a resposta única que se deva dar a todas as perguntas anteriores seja um belo e sonoro não, quem restaria no final das contas? Por exclusão, nós mesmos. A construção de templos interessa a nós, ao nosso ego, à adoração de nossa própria capacidade. Não é curioso que a primeira vista que se tem da maioria das cidades brasileiras seja a torre de uma catedral, e não é constrangedor que a construção mais suntuosa de uma favela seja justamente um templo? Segundo critério do próprio Deus, “A minha casa será chamada casa de oração e será para todos os povos”. Estas são as únicas anuências dadas por ele aos templos erigidos em seu nome.
Casa de Oração.
Nenhum poder oculto. Nenhuma deferência sacramental. Nenhum privilégio na escolha. Apenas um local de reverência. Apenas um ponto convergente de propósitos. Apenas um espaço aberto para a prática da oração comum, que é a forma mais direta e objetiva de comunicação com Deus. Como exigência que o próprio nome sugere, a casa não deve conter ou permitir a prática de nada que possa desviar o foco de sua finalidade principal, e por que não dizer, única. Convém lembrar que para o povo a quem Deus determinou este exercício, o ensino da sua Palavra, as manifestações de louvor ao seu Nome e a prática da misericórdia para com os necessitados, eram mandamentos que os identificava como povo. A simples omissão de qualquer deles, incorria na quebra da aliança e o seu nome passaria a ser chamado de Lo-Ammi, Não Meu Povo. (Os 1.9) A identificação da presença de Deus em todos os projetos e desejos dos hebreus, marcava o início de um novo relacionamento com a entidade superior. Sua santidade não permitia qualquer tipo de suborno ou jeitinho. O amor, a verdade e a justiça eram os únicos parâmetros a serem observados. Para entrar em sua Casa de Oração, não era exigida a perfeição moral, sim o firme propósito de buscar uma nova chance para se aperfeiçoar como indivíduo.
Para todos os povos.
Nada indica que este irrestrito acesso a Deus aconteça somente nas casas previamente ditas como suas. Pelo contrário, nestas palavras Deus torna sua toda e qualquer casa onde a oração sincera, humilde e devotada é proferida. Neste mandamento ele faz de qualquer povo, seu povo e de pessoas de qualquer origem, gente de sua propriedade exclusiva. Como na parábola do fariseu e do publicano. Dois homens entram para orar, apenas um sai justificado. Duas diferentes origens, apenas uma é acolhida. Dois diferentes propósitos, apenas um é atendido. Como bem lembrou Rubem Alves: “O fariseu ajoelhou-se diante do Deus verdadeiro e orou a um ídolo. O publicano ajoelhou-se diante de um ídolo, e orou ao Deus verdadeiro”. O que faz a diferença é o conteúdo, jamais o local. Sem qualquer chance, a suntuosidade. Uma verdadeira conversão se deu quando o Templo de Jerusalém foi destruído em 586 a.C.. A descoberta de um Deus maior que qualquer templo, maior ainda do que tudo que se possa vir a imaginar. Deus está no templo, mas este nunca poderá contê-lo.
Jesus, ao seu grupo, apresentou uma proposta bem diferente deste frisson que testemunhamos hoje. “Pedro, tu és pedra, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela”. A simples menção do material da construção, bem como a declaração do seu propósito, fazem da proposta de Jesus algo distante do que a maioria das denominações cristãs têm hoje como meta. Para contrapor a grandeza fenomenal da construção do templo construído por Herodes, que muito em breve seria apenas lembrança, apesar de sua solidez, Jesus apresentou uma estrutura baseada unicamente na fragilidade humana, contudo, suficiente forte para investir e prevalecer contra o símbolo do poder que mais assombra a mente humana em todos os tempo, os Portões do Inferno; personalizada, pelo fato de se instalar no mais íntimo recôndito do coração humano; independente, pela peculiaridade de ser bastante no contato direto e pessoal com Deus e temporalmente eterna, pela sua constante renovação na intercessão e no serviço por todos os povos. A promessa de que a igreja triunfaria onde os templos jamais ousassem chegar, é única, exclusiva e intransferível. Nenhum templo pode assumir a vocação que foi dada à igreja. É justamente pela sua singular fragilidade e pelo muito que se de esperar dela que Jesus a ama tanto. Ninguém se iluda, até a consumação do Reino de seu Pai, quando os discípulos tiverem cumprido a parte que lhes cabe nesta empreitada, a igreja será o seu único e verdadeiro amor. Quanto aos templos, a sentença ainda é a mesma: Não ficará pedra sobre pedra.
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