IGREJA METODISTA EM VILA ISABEL
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Vida Cristã
Rio, 27/10/2008
 

Aos pés da cruz

Elias Boaventura


 

Desde minha infância tenho mantido em relação à Cruz visão ambígua, ora de pavor, ora de regozijo, também de tristeza e ainda de alegria.

De qualquer forma a Cruz foi sempre fato muito presente em minha existência, que condicionava e às vezes até determinava muito de meu jeito de viver e ser.

A agressividade maior da cruz se dava na presença dela ao longo da margem das estradas, sinalizando sempre que ali houve a vitória da morte sobre a vida, do mal sobre o bem, da frustração sobre a esperança. Ali alguém sofreu e ficou.

As cruzes da beira das estradas na minha imaginação e também pela tradição eram seres vivos e assombrados que entraram na vida das pessoas de acordo com o estigma que portavam.

As cruzes possuíam nomes, de acordo com os eventos que elas sinalizavam e cumpriam funções diferentes na história da Vila. Cruz dos Silvas, dos Lopes, dos Teixeiras e de tantos outros.

Esta foi a primeira imagem da cruz que me gravaram na infância, símbolo de morte e de violência, presença de almas penadas e em sofrimento, que apreciam sempre à meia noite para cobrar dos passantes a razão de seu infortúnio. As cruzes eram de fato instrumento pedagógico para controlar as noitadas dos mais jovens e constrangê-los a não andarem sós e não dormirem tarde, para não se encontrarem com o perigo das almas penadas.

Havia também cruzes protetoras junto as quais os transeuntes podiam se esconder e se sentirem protegidos de feras, bichos peçonhentos, lobisomem, mula sem cabeça e também neutralizavam quebrantos, mal olhado e feitiçarias.

Das cruzes protetoras se diziam que às vezes elas se deslocavam para socorrer e proteger àqueles que, por qualquer motivo estavam em perigo.

As cruzes protetoras eram pregadas nas portas das salas e da cozinha, nos momentos de tempestades nelas se jogava sal grosso e as purificavam com guiné para se evitar o olho gordo e a ação metafísica dos maldosos e o perigo de raios.

Diz a tradição que uma dessas cruzes protetoras, abandonou a vila após a eleição para vereador de um maçon muito temido que só alcançou ser eleito pêlos votos de almas perdidas que desejavam atormentar a Vila e travar seu progresso. Estas almas teriam penetrado nas urnas e lá colocado seu estranho voto, mais católico do que estranho.

Fui crescendo e continuei ver a cruz envolta em choro e mistério, todas as manhãs deveriam ser enxugadas as lágrimas que elas derramavam durante à noite, ou coletadas em frascos como remédio contra o sarampo, a tosse comprida, catapora, espinhela caída e incteriça.

Este quadro tétrico da cruz desaparecia por completo no dia 03 de maio, dia de Santa Cruz, quando todas elas eram enfeitadas e nos pés de algumas eram colocados flores e na principal delas chamada o Cruzeiro, se celebrava missa muito freqüentada a favor de todas as almas de bem do vilarejo.

Após a missa, os jovens como eu, para os quais a cruz era pavorosa o ato tornava-se motivo de caminhadas pelas longas estradas para ver se alguma delas havia caído no esquecimento o que raramente acontecia. Era muito bonito ver as cruzes ornamentadas.

As cruzes protetoras eram caseiras, zelavam pela segurança da família, também exerciam proteção política em relação ao vilarejo para evitar que comunistas, maçons, protestantes e bandidos chegassem ao poder.

No dia 03 de maio se alguém conseguisse pendurar uma cruz no pescoço da pessoa amada a prendia para sempre e a protegia da tentação da infidelidade.

Recordo-me bem que em 1949, eu encontrava-me cegamente apaixonado por Dalvina, comprei um crucifixo e um colar de contas, esperei por ela junto à cruz dos desamparados e dela ofegante me aproximei, mas Milton já havia colocado a cruz na menina que eu tinha a ilusão gostosa de ser minha, mas era só ilusão, ela nem sabia disto.

Eu poderia poupar meu leitor de informá-lo que sofri e senti a perda de minha amada, que minha nunca foi, mas eu gostava dela, sua ausência era presença muito doce e forte para mim.

Meses depois ingressei no internato e lá estava a cruz um tanto desprezada por significar o sacrifício de Cristo e o fracasso de um Pai que não poupou e não conseguiu encaminhar seu filho amado, meus amigos não gostavam dela e muito menos do crucifixo. Cantei canções horrorosas enaltecendo o sacrifício e anunciando a vitória da morte na cruz. Nesta fase repugnei o crucifixo e não gostava de ver o Cristo ali pregado com a minha ajuda e por minha culpa. A mensagem central que eu recebia dela era “Pai, por que me desamparaste?”. A idéia de que a Cruz era minha e que a passei para alguém carregar e por isto foi conduzido à morte me feria, me fazia traidor e me machucava muito. Naquele momento a Cruz era injusta, representava a morte de Deus e me feria demasiadamente. Tudo isto para me salvar, não sei porque nem de quê. A cruz não se desgrudava de mim, mais me atormentava do que me protegia. Eu já era protestante.

Os anos foram passando e embora ainda equivocado passei ver a cruz como símbolo, ilustração da vida com todos os seus percalços. Ela me passou a significar a vontade de alguém de me alertar para o perigo da vida e para o cuidado com a ilusão da vitória fácil. Viver é difícil, mas há solução.

Comecei a ver na Cruz caminhos, acenos para a possibilidade de vitória.
- Nela era possível a idéia de solidariedade e da criação da família universal “Mãe eis aí teu filho. Filho, eis aí tua mãe.”
- Nela vi a esperança da harmonia universal e do perdão – “Perdoa-lhes porque não sabem o que fazem”.
- Também vi o sentido da vida - “Nas tuas mãos entrego meu espírito”.
- Passei a ver também a vitória da natureza que protestou contra a crucificação e a morte – “A terra tremeu e os túmulos se abriram.”
- Na crucificação Deus e o homem se abraçam e há o reconhecimento de Cristo como Senhor da Vida e do universo - “Verdadeiramente Ele é o filho de Deus.

Cruz deixou de ser para mim um sacrifício irracional, uma vitória da morte ou coisa
que o valha, mas a grande vitória da vida celebrada com Deus, - o homem e a ordem natural abraçados, até hoje não conseguiu entrar em mim a horrorosa idéia do sacrificialismo vicário de Cristo.

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