IGREJA METODISTA EM VILA ISABEL
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Rio, 27/2/2009
 

Joćo Wesley: o grande pregador itinerante** (Rev. W. H. Fitchett)

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João Wesley logo tomou o seu lugar natural de guia e representante do novo movimento, seja do metodismo, seja do avivamento. Não era meramente o teólogo e estadista, mas o douto e principal polemista; era ele o principal e o mais diligente, senão o maior pregador desse movimento. A sua carreira como evangelista, agora em pleno progresso, merece algum estudo, pois não há outra na história moderna que o iguale em largueza, ou constância ou na permanência de seus resultados.

Wesley pregou o seu primeiro sermão ao ar livre aos 2 de abril de 1739, e o seu último em Winchelsea aos 7 de outubro de 1790. Entre estas duas datas há um período de cinqüenta e um anos, todos cheios de uma corrente de trabalho quase sem paralelo na experiência humana. Ao começo deste período os seus dois camaradas, Whitefield e seu irmão Carlos, eram, em dons e zelo, seus iguais. Carlos Wesley casou-se em 1749 e o seu trabalho como itinerante logo se encolheu a limites mui estreitos. Whitefield faleceu na América em 30 de setembro de 1756. Wesley assim, naquilo que se pode chamar o pleno desenvolvimento do trabalho ativo, excedia a seu irmão por mais de quarenta anos, e a Whitefield por mais de trinta. Pode-se dizer também que o seu trabalho era de um tipo mais concentrado do que o de seus dois camaradas.

Na simples escala de seus trabalhos Wesley sobrepujava muito a Whitefield. Calcula-se que Whitefield pregou dezoito mil sermões, mais de dez por semana durante trinta e quatro anos de vida evangelística. Wesley pregou quarenta e dois mil e quatrocentos sermões, depois de sua volta da Geórgia, um termo médio de mais de quinze sermões por semana; e calcula-se que viajou em seu trabalho itinerante uns quatrocentos mil quilômetros. Em suma, Wesley era homem que, embora tendo a inteligência de um estadista, a cultura de um douto, a mensagem de um apóstolo, possuía também o zelo ardente e incansável de um frade pregador da Idade Media.

O seu trabalho durante estes cinqüenta e um anos era de um tipo invariável. Era a proclamação da mensagem simples e imutável do Evangelho de Cristo para a multidão onde quer que ele pudesse reuni-la – no outeiro, à beira do rio, na praça da vila, ou sob o teto de uma igreja. Wesley não se cansava, nem desanimava, nunca duvidava nem se desviava. Os seus camaradas ficavam atrás, os amigos o abandonavam; um mundo de controvérsias calorosas fervilhava ao redor do seu nome e caráter. Nada disso afetou a Wesley. A brilhante chama do seu zelo ardia por muito tempo, e ardia sem diminuição, e ainda ardia quando o próprio fogo da vida se desfazia em cinzas.

Quem traçar no mapa da Inglaterra os itinerários de João Wesley, aperceber-se-á de certas feições constante nas linhas seguidas nesses itinerários. Não cobriram toda a Inglaterra. Seguiam certas curvas geográficas bem definidas. Nas suas campanhas evangelísticas, Wesley – servindo-nos da terminologia do soldado – tinha três bases: Loondres, Bristol e Newclastle-on-Tine. Formavam um triângulo isósceles, e os itinerários de Wesley – descontando certa porcentagem de oscilações – giravam entre estes três pontos. Ele devia ter conhecido o caminho desde Londres para a oeste até Bristol, e desde Londres para o norte até Newcastle-on-Tine como o carteiro urbano conhece a sua zona de trabalho. Por que seria que Wesley seguia tão obstinadamente estas linhas especiais? Por que deixou tão largos espaços da Inglaterra praticamente sem visitação?

Um pouco de reflexão nos dará a resposta. A principal feição da história inglesa desde os meados o século XVIII é a origem das grandes cidades fabris. Nos últimos cinqüenta anos do século XVIII a população da Inglaterra aumentou cinqüenta por cento. Isto resultou do grande avivamento industrial que mudou a vida da Inglaterra e lhe deu a preponderância no comércio da Europa. Os itinerários de Wesley em sua pregação seguiram mais ou menos as linhas do desenvolvimento industrial do país. Ele deixou quase sem visitação os largos campos dos distritos rurais, com as suas esparsas e vagarosas populações. Mas onde as correntezas da vida se achavam mais fundas, onde as pequenas vilas estavam se desenvolvendo em cidades movimentadas, onde as altas chaminés enchiam a atmosfera com a sua fumaça negra, aí Wesley pregava e trabalhava. A sua missão começou com os mineiros de Kingswood. E foi dedicada, durante quase toda a sua carreira, às multidões das cidades manufatureiras. Wesley assim – talvez com sabedoria inconsciente – estava batizando com forças divinas a vida do seu tempo que novamente fermentava.

Pode-se acrescentar também que os seus itinerários eram planejados minuciosamente de antemão – os lugares que havia de visitar, as horas de chegada, os serviços que seriam realizados. Não havia nenhum desperdício de minutos, nenhuma oportunidade desprezada, nenhum intervalo de descanso. E Wesley cumpriu os seus itinerários com resolução férrea. Não havia temporal, nem distância, nem cansaço, que conseguissem interceptar o seu curso, quase planetário. Era seu costume pregar de manhã às cinco horas, ou ainda mais cedo. Ele então montava seu cavalo, ou tomava seu carro e tocava para outro lugar que havia marcado, onde outra grande multidão o esperava. Assim durante todas as horas do dia, e todos os dias da semana e todas as semanas do ano, durante um longo meio século. Ele vivia como o soldado em campanha – levemente equipado, e pronto para marchar a qualquer momento. Mas para ele era campanha de meio século!

Entretanto era homem de grande nitidez e ordem, com o gosto de um douto em ter tudo perfeito ao seu redor. Em seu quarto e gabinete, durante oito meses de residência em Londres no inverno, não havia um livro fora de seu lugar, nenhum pedaço de papel despercebido. Ele sabia apreciar as comodidades da vida. Entretanto havia-se nas coisas mais insignificantes como se não esperasse continuar no lugar por uma hora. Parecia estar em casa em todo lugar – acomodado, satisfeito e feliz; e ao mesmo tempo pronto, a qualquer hora, a empreender uma viagem de duzentos e cinqüenta léguas.

É difícil estimar os gastos físicos feitos em tal carreira. O viajar incessante sob os céus úmidos e inconstantes da Inglaterra, e pelos caminhos ruins daquele tempo, era trabalho estupendo. João Wesley viajou em regra (em média) uns sete mil e duzentos quilômetros por ano, na maior parte a cavalo, e fez isto até ter setenta anos de idade. Enquanto viajava assim geralmente pregava dois, três, e às vezes, quatro sermões por dia. Ele vivia entre as multidões. A sua vida durante muitas horas do dia estava cheia de ruído, movimento e agitação. Entretanto no meio de todo este viajar e pregar ele levava consigo os hábitos estudiosos e meditativos do filosofo!

O seu vulto leve e compacto possuía a força e a resistência da borracha. Nada lhe cansava – poucas coisas lhe incomodavam. Era tão insensível às vicissitudes do tempo como um piloto do mar do norte. Não havia uma fibra mole, nem nervo doentio, nem músculo frouxo, nem onça (medida anglo-saxônica para capacidade que corresponde a 28,350 gramas) de carne supérflua em seu corpo pequeno e maravilhoso. Todo o momento, em que se achava acordado, tinha o seu trabalho e ninguém dava menos horas ao sono do que João Wesley.

Ele narra que num dia andou mais de 145 quilômetros entre Bowtry e Epworth; e no fim estava um pouco mais cansado do que quando se levantara de manhã. Na Escócia ele chegou a Cupar, depois de ter viajado quase cento e quarenta e quatro quilômetros, e não estava em nada cansado. “Muitas viagens difíceis”, diz Wesley, “tenho feito antes, mas uma como esta nunca fiz, debaixo de vento e chuva, gelo e neve, terrível saraiva e frio penetrante”. Sob condições tão duras ele havia andado a cavalo por quatrocentos e cinqüenta quilômetros em seis dias.

Tem algo de quase divertido a brevidade e a frieza mais do que filosófica com que João Wesley registra as suas experiências como viajante nos temporais e pelas estradas ruins daquele tempo. Ele nos proporciona pequenas vistas das paisagens e do tempo – paisagens cobertas de neve, pinturas de céus gotejantes, de ventos frios e cortantes face dos quais ele corajosamente prosseguia no seu itinerário. Ele talvez se sentisse por demais ocupado para falar muito acerca do tempo, ou para contar os seus sentimentos a respeito. Narra com simplicidade o simples fato. Eis aqui uma pequena narração acerca do tempo:

“Os outeiros estão cobertos de neve, como no meio do inverno. Cerca das duas horas chegamos a Trewint, bastantes molhados e cansados, havendo viajado abaixo de chuva e saraiva por algumas horas. À noite eu preguei para muito mais gente do que podia entrar em casa, sobre a felicidade daqueles cujos pecados lhe são perdoados”.

Uma outra pintura companheira que bem pode fazer estremecer ao leitor moderno de fibra mole e comodista vem um pouco mais tarde:
Havia tanta neve ao redor de Boroughbridge que só podíamos prosseguir vagarosamente, e a noite nos sobreveio quando ainda nos achávamos dez ou onze quilômetros do lugar onde tencionávamos pernoitar. Mas continuamos como por acaso, através dos charcos, e cerca das oito horas chegamos em segurança a Sandhutton. Achamos a estrada muito pior do que no dia anterior, não somente por estar mais espessa a neve que tornava os caminhos intransitáveis em certos lugares – somente anos depois eram conhecidos os caminhos feitos a pedra britada nestas partes da Inglaterra – mas também porque as fortes geadas depois dos degelos haviam feito o chão, como o vidro. Nos vimos na necessidade de andar a pé, pois nos era impossível andarmos a cavalo, e os nossos cavalos diversas vezes caíram, enquanto os guiávamos a cabresto, mas nenhuma vez quando nos achávamos montados, durante toda a viajem. Passava já de oito horas quando chegamos a Gateshead Fell, que parecia um vasto deserto branco. A neve havia caído e coberto todas as estradas, e estávamos em dúvida como havíamos de prosseguir, até que um homem honesto de New Castle nos alcançou e nos guiou para a cidade.”
“Muitas viagens difíceis tenho feito antes, mas uma como esta nunca fiz, debaixo de vento e chuva, gelo e neve, terrível saraiva e frio penetrante. Mas já se passou; aqueles dias não voltarão jamais e, portanto, são como se nunca tivessem existido.”


Deve-se notar que Wesley nem sempre teve o encorajamento de multidões de admiradores para inspirá-lo. Alguns de seus serviços ao ar livre começavam sob circunstâncias tais que bem poderiam ser atribuídos à coragem de um apóstolo – se não fosse por coisa mais do que a condição de indiferença humana. Wesley descreve assim um culto ao ar livre na Escócia:
“Às onze horas eu saí para a rua principal e comecei a falar a uma congregação de dois homens e duas mulheres. A estes logo veio se unir cerca de vinte crianças. Às seis horas Guilherme Coward e eu fomos ao mercado. Permanecemos ali por algum tempo, e não aparecendo nem homem, mulher ou criança, comecei a cantar um salmo escocês, e quinze ou vinte pessoas vieram ao som da minha voz, mas com grande circunspeção, conservando-se de longe, como se não soubessem que poderia acontecer.”

Podemos acrescentar que isto se deu na sua terceira visita à Escócia, quando já era homem de fama.

Um exemplo da maneira com que João Wesley atacava uma grande cidade, se acha na sua narração do primeiro serviço em New Castle:
“As sete horas eu desci a pé até Sandgate, a parte mais pobre e desprezível da cidade, e postando-me na extremidade da rua com João Taylor, comecei a cantar o Salmo 100. Três ou quatro pessoas vieram para ver o que havia e logo aumentavam até chegar a quatrocentas ou quinhentas. Julgo que havia mil e duzentas ou mil e quinhentas quando conclui a pregação; as quais eu apliquei as seguintes palavras solenes: “Ele foi ferido pelas nossas transgressões”. Notando que o povo, quando eu havia concluído, ficava pasmado e me olhava com admiração, eu lhes disse: “Se desejais saber quem sou, meu nome é João Wesley. Às cinco da tarde Deus me ajudando, eu proponho-me a pregar aqui outra vez”.
“Às cinco horas, o outeiro em que eu tencionava pregar estava apinhado de gente desde o pé até o cume. Nunca vi tanta gente congregada, nem em Moorfields nem na praça de Kennigton. Eu sabia que não seria possível que a metade ouvisse, embora a minha voz fosse forte e boa e eu me postei de maneira a ter todos à vista, havendo-se enfileirado no lado do morro. A Palavra de Deus que apresentei era: “Curarei a sua apostasia; ama-los-ei voluntariamente”. Depois de ter pregado o povo estava a me esmagar de puro amor e bondade. Levei algum tempo para poder sair do lugar. E então voltei por caminho diferente do que eu tinha vindo; mas diversas pessoas nos haviam precedido ao hotel e me importunavam veementemente para ficar com elas, pelo menos uns poucos dias; e quando não, ao menos um dia mais. Mas eu não consenti, pois tinha empenhado a minha palavra de estar em Bristol, com a ajuda de Deus, na noite de terça-feira.”


Entretanto Wesley não teve de enfrentar unicamente os céus tempestuosos e viagens intermináveis e enfadonhas. Teve de agüentar uma notável quantidade de oposição e vitupério públicos, que, às vezes, se transformavam em fortes e cruéis perseguições. A Inglaterra na última metade do século XVIII era brutal e ignorante. O seu temperamento era cruel; e os próprios esportes se assinalavam com quase incrível selvageria. E as multidões daquele tempo achavam tanto prazer em perseguir a um infeliz pregador metodista como em testemunhar um pugilato ou em atormentar um urso. Wesley conta a história destas perseguições com o seu modo sucinto e pacífico, sem comentário ou queixa; mas através de suas palavras calmas transparece a história da brutalidade humana – e de coragem humana – não fácil de igualar.

Em Wednesbury, por exemplo, houve um período de perseguição que se estendeu desde junho de 1743 até fevereiro de 1744. Nestes oito meses a cidade estava praticamente – quanto aos metodistas – sob o governo de arruaças. Os magistrados e o clero conspiraram com o povo contra os seguidores de Wesley. Estes sofreram quase tantas injustiças como os judeus em Kischineff, sob o governo Russo. Eram saqueados, açoitados e corridos pelas cidades e maltratados ao bel prazer dos arruaceiros. Wesley faz um esboço da história:

“Desde o dia 20 de Junho p.p., o povo de Walsal, Darlaston, e Wednesbury, assalariado para este fim por seus superiores. tem saqueado as casas de seus pobres vizinhos; arrancando dinheiro daqueles que o tinham; tirando-lhes ou destruindo-lhes os bens e comestíveis; açoitando-lhes e ferindo-lhes os corpos; ameaçando-lhes a vida; abusando de suas mulheres – algumas de uma maneira demais horrível para se publicar – e declarando abertamente que haviam de acabar com todos os metodistas no país, país cristão onde os súditos inocentes e leais de sua Majestade foram desta maneira tratados durante oito meses, e são agora por seus atrozes perseguidores, taxados publicamente de arruaceiros e incendiários”.

Uma arte predileta e mortífera de perseguições era prender os seguidores e pregadores de Wesley e obrigá-los a ingressarem no exército ou na marinha. A história de Thomas Beard merece ser contada como narrada no Diário de Wesley:

“Thomas Beard era um homem sossegado e pacífico que há pouco tempo foi arrancado de seu ofício, mulher e filhos, e enviado a servir como soldado, isto é banido de tudo que era para ele prezado e querido e obrigado a viver entre leões, por nenhum outro crime praticado ou pretenso, do que o de chamar os pecadores ao arrependimento. Mas a sua alma em nada se atemorizou com os seus adversários. Entretanto depois de um certo tempo o corpo sucumbiu sob o grande fardo. Ele então foi enviado para o hospital em New Castle, onde ainda continuamente louvava a Deus. Aumentando a sua febre, foi sangrado. O seu braço arruinou-se e gangrenou e foi amputado; dois ou três dias depois Deus lhe deu baixa e chamou-o para o seu lar eterno”.

Das experiências pessoais de Wesley alguns exemplos merecem menção:
“Apressei-me em ir a Gaston Green, perto de Birmingham, onde havia ponto de pregação às seis horas. Mas era perigoso para os que ficaram para ouvir, pois pedras e torrões estavam voando por todos os lados, quase sem intermissão (interrupção), por mais ou menos uma hora. Entretanto bem poucas pessoas foram embora. Depois eu assisti na sociedade e exortei-os, em face de homens e de demônio, a continuarem na graça de Deus”.

Uma experiência ainda mais excitante lhe esperava um pouco tempo depois:
“Segui para Falmonth. Quase ao sentar-me, a casa achava-se rodeada de todos os lados por uma multidão inumerável de gente. Talvez não houvesse mais ruidosa confusão em tomar uma cidade por assalto. O vulgacho (multidão, povo) clamava em alta voz: “Fora com o Canorum (palavra que os habitantes de Cornwald geralmente empregavam para metodista). Onde está o Canorum? Não havendo resposta, eles logo forçaram a porta exterior e encheram o corredor. Somente existia entre nós e os desordeiros uma parede de tábuas que não duraria por muito tempo. Eu agora tirei da parede um grande espelho receando que tudo viesse a cair junto. Quando começou o seu trabalho, com tantas imprecações (pragas, xingamentos), a pobre Catharina estava de tudo surpreendida e clamou:” Ó Senhor que faremos?“ Eu disse: “Oremos”. E realmente naquele instante parecia ¬que as nossas vidas não valiam uma hora (muito pouco). Ela perguntou: “Mas, senhor, não achais melhor esconder-vos, entrar num aposento?” Eu respondi. “Não, é melhor que eu fique onde estou”. Entre os que estavam de fora havia os tripulantes de uns corsários que acabavam de chegar no porto. Alguns destes ficaram muito incomodados com a morosidade dos outros, tomaram-lhes o lugar, e todos juntos, pondo os ombros à porta interior, clamaram: “Eia rapaziada, eia!“ Cederam de vez as dobradiças e a porta caiu para dentro da sala. Eu adiantei-me até chegar ao meio deles e disse: “Aqui estou. Quem dentre vós tem algo a me dizer? A qual de vós tenho feito mal? A vós, ou a vós, ou a vós? Continuei a falar até chegar mesmo, sem chapéu como eu me achava – pois propositalmente eu deixara o chapéu para que eles me vissem plenamente a cara – ao meio da rua, e então erguendo a voz lhes disse: “Vizinhos, patrícios, desejais ouvir-me falar?” Eles clamaram veementemente, “Sim, sim. Fale, ele há de falar. Ninguém lhe impeça”.

“Nunca vi antes – nem mesmo em Walsal – a mão de Deus tão claramente manifesta como aqui. Ali eu tinha muitos companheiros que estavam prontos a morrerem comigo, aqui nenhum amigo senão uma menina que também foi me tirada num instante, logo que eIa saiu da porta da casa da Sra. B. recebi alguns golpes, perdi uma parte da roupa, e fui coberto de terra. Aqui embora as mãos de centenas de pessoas se achavam levantadas para darem em mim ou para me apedrejarem, entretanto eram todas sustadas no ato, de modo que ninguém me tocasse, nem com um dedo sequer, nem lançassem coisa alguma na minha direção desde o começo até o fim, de modo que nenhuma mancha me ficou na roupa. Quem pode negar que Deus não ouve a oração, ou que ele não tenha todo o poder no céu e na terra?“

Sob tais condições Wesley ainda prosseguiu, com irresistível ligeireza, em seu grande trabalho. A área de seus trabalhos alargava-se. Ele foi para o norte até a Escócia, fazendo nada menos de vinte e uma viagens pelas cidades e vilas escocesas. Ele atravessou o canal de S. George quarenta e duas vezes e fez a impressão de sua grande personalidade e zelo ardente sobre a Irlanda. Ele atraiu para si camaradas e achou ajudantes e pregadores entre os seus convertidos, tornando-se não um combatente singular mas o general de um exército. E o trabalho de pregação – constante em zelo, vasto em escala e intenso em ardor, como era – formava somente uma parte do labor de Wesley. Lado a lado com estes itinerários de pregação existe uma corrente continuada de outras formas de atividades. Levantavam-se grandes polêmicas, como veremos mais adiante, e seguiram o seu curso, e morreram; perseguições foram sofridas e esquecidas; e igrejas construídas. Mil escândalos romperam-se ao redor de Wesley. Os seus amigos lhe abandonaram, e seus camaradas muitas vezes lhe provaram infidelidade. Foi apedrejado pelas multidões, mofado pelos doutos, desprezado pelo clero e não raras vezes, os mesmos homens que ele tirara do pecado e da morte viraram-se contra ele. O seu irmão Carlos casou com uma mulher rica e rodeou-se com os confortos de um lar fixo. Whitefield ficou absorto em seu orfanato na América.

A única alma firme e inabalável que nunca duvidava, nem titubeava, nem se desanimava, foi João Wesley! Ele era o apóstolo itinerante, quase até a hora da sua morte. E ele imprimiu as características de sua própria vida, para todo o tempo, sobre a Igreja que fundou. É a Igreja do ministério itinerante.

Mais tarde, o trabalho de Wesley toma uma nova forma – uma forma mais trabalhosa do que as suas viagens intermináveis – e infinitamente mais perturbadora. Doutrinas falsas apareceram entre os seus seguidores; estranhas formas de imoralidade manifestaram-se; e a vida espiritual enfraqueceu. Durante os últimos anos de seu apostolado Wesley estava incessantemente "purificando” as suas sociedades, expulsando os membros indignos e estabelecendo a disciplina salutar. Em suma ele estava edificando uma Igreja sem o saber e sem tencioná-lo. E através de todo o pó e tumulto de suas viagens de pregação, os vigilantes vêem as linhas de uma grande Igreja, que se erguia, como veremos mais tarde. É uma Igreja que não foi formada no sossego do gabinete do filósofo, mas nos fogos do conflito e da polêmica. Cada nova fase do grande edifício é construída segundo as exigências, e para preencher alguma precisão urgente e visível. Ela é experimentada pela dura e rígida lógica dos fatos. E quando se conta a história do trabalho de Wesley como pregador itinerante, grandes domínios de sua vida ainda não são tocados nem descritos. Era estudante, diretor e general de uma grande campanha, bem como pregador; e se não fosse nada disso, simplesmente a sua correspondência e produções literárias seriam suficientes para encherem a vida de um homem qualquer. Mas quando todas essas formas de atividades variadas – como pregador estudante, viajante dirigente, polemista e escritor – são encerradas nos estreitos limites de uma só vida humana, a soma total de energia que representam, não é menos do que surpreendente.

Como fez? Ele lia, escrevia, pregava; era de fato o bispo de um grande rebanho espiritual. Estava sempre no púlpito ou a cavalo. Nunca se achava apressado! Qual era o seu segredo?

A verdade é que os seus trabalhos como pregador acham-se intercalados com freqüentes espaços de folga. Este homem que parecia viver entre as multidões, ainda tinha na vida largos espaços de solidão. Ele pregava a congregações às cinco horas da manhã, então montava a cavalo ou embarcava na sua carruagem e dirigia-se para o lugar da próxima reunião. Entre as duas multidões ele tinha horas de solidão – para pensar, ler e planejar. Pode-se acrescentar que ele era mestre na arte perigosa de ler a cavalo. O seu trabalho era realmente um tônico físico. Pregar às cinco horas da manhã, talvez, pareça forma heróica de diligência; mas realmente Wesley demonstrou que era forma de exercício físico mui salutar! Pregar ao ar livre, com os ventos do céu soprando-lhe em redor, era – considerado pelo lado físico – uma forma de ginástica salutar.

Essas pregações ao ar livre acham a sua melhor exposição no Diário de Wesley. O Diário famoso subsiste principalmente em breves notas de sermões e textos, com pequenas e ligeiras referências às multidões que os escutavam – o tamanho, o comportamento, a maneira em que o discurso lhes impressionou, etc. Estas narrações são curiosamente condensadas e lacônicas. São escritas em taquigrafia mental bem como literal. Wesley vê a multidão por um momento, condensa a história do sermão e de seus resultados numa só sentença; acrescenta um desejo piedoso por uma benção, e então segue pressurosa e abruptamente para outra multidão. E aquela nota notavelmente ligeira; e economicamente parcimoniosa em descrição, é característica do Diário inteiro. Então vêm, intercaladas entre essas notas de sermões, textos e multidões, narrações de conversões estranhas, de curiosas experiências espirituais, de encontros com personalidades excêntricas, e de conversas esquisitas com elas, com notas sobre livros, paisagens e acontecimentos.

Não é fácil compreender, ao correr a vista por estas sentenças ligeiras e comprimidas, a intensidade do labor que representam. Bem poucos oradores de hoje sabem que é falar a uma multidão de cinco mil pessoas: o gasto de energia nervosa, a tensão sobre a garganta e o cérebro, sobre o corpo e a alma. Mas João Wesley fez isso, não somente a cada dia, mas freqüentemente duas ou três vezes por dia. E o fez durante cinqüenta anos e a tensão não o matou!

A campanha de Gladstone em Midlotham em 1879 é famosa na história: mas limitou-se a um pedacinho da Escócia; durou quinze dias e representou, talvez, vinte discursos. Mas Wesley dirigiu a sua campanha numa escala que reduz os feitos de Mr. Gladstone a uma insignificância. Ele a fez no grande palco dos três reinos, e a manteve sem quebra (interrupção) durante mais de cinqüenta anos!

Mr. Gladstone, em Gravesend, em 1871, falou por duas horas a um auditório de vinte mil pessoas, e Mr. João Morley, o seu biógrafo admirado, afirma que o discurso, tanto física como intelectualmente, é o maior feito da carreira de Mr. Gladstone. Mas para Wesley o falar a auditórios tão vastos e sob circunstâncias igualmente difíceis era experiência comum que ele repetiu incessantemente até a extrema velhice. Gladstone tinha sessenta e dois anos quando fez o discurso de Gravesend. Quando Wesley tinha esta idade o seu Diário está repleto de notas como esta:
“Domingo, 10 de agosto de 1766. Depois de ter-se feito oração na Igreja, preguei no cemitério a uma grande congregação: à uma hora da tarde a vinte mil e entre cinco e seis horas a outra congregação igual. Foi este o dia do maior trabalho que tenho tido desde que saí de Londres, sendo obrigado a falar em cada lugar desde o começo até o fim, até onde desse a minha voz. Mas as minhas forças têm sido segundo o meu dia”.
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Sete anos mais tarde (23 de agosto de 1773) ele diz:
“Preguei nos poços de Grennap a mais de trinta e duas mil pessoas, a maior assembléia a que jamais dirigi a palavra, talvez a primeira vez que um homem de setenta anos fora ouvido por trinta mil pessoas numa só ocasião.”

Portanto a voz de João Wesley devia ter sido de muito mais força do que a de Gladstone. Ele escreveu no seu Diário sob a data de 5 de Abril de 1752:
“Cerca de uma hora eu preguei em Bristol. Notando que alguns estavam sentados no lado oposto do outeiro, depois pedi que alguém medisse a distância, e achamos cento e quarenta jardas do lugar onde eu me postei, entretanto o povo ouviu perfeitamente. Não julguei que havia voz humana que tivesse alcance tamanho”.

Não é exagero dizer-se que João Wesley pregou mais sermões, viajou mais léguas, trabalhou mais horas, fez imprimir mais livros e influiu em mais vidas do que, qualquer outro inglês do seu século ou talvez de qualquer outro século. E o trabalho nem lhe cansou! Em 1773 ele escreve:
“Tenho setenta e três anos, e estou muito mais forte para pregar do que quando tive vinte e três”.

Dez anos mais tarde este admirável homem de 83 anos escreve:
“Já entro nos meus oitenta e três anos. Sou uma maravilha para mim mesmo. Nunca me canso em pregar, em escrever, nem em viajar”.

Em seus discursos às multidões deve-se lembrar que Wesley tratava dos assuntos mais tremendos; ele despertava as mais profundas emoções nos seus ouvintes. E quando havia erguido uma vasta multidão de homens e mulheres a um fervor elevado e intenso de emoção religiosa, ele passava apressadamente para outra multidão e nela operava o mesmo milagre. Ele mesmo mantinha uma calma notável – uma calma que representava o equilíbrio das grandes emoções, não a sua ausência – em todos os seus serviços. Mas as emoções que as suas palavras acordavam nas multidões atenciosas eram freqüentemente de notável intensidade. Ele de alguma maneira tornou-se canal de forças estranhas; tinha o poder de conter uma vasta multidão do povo e artistas ingleses num silêncio solene, fixo e temível. De repente uma onda de emoção sobrepujante corria sobre os ouvintes, os homens caíam como que fulminados por um raio sob a sua palavra. Muitas vezes ele nota que, enquanto pregava, via-se obrigado a parar para cantar ou orar, a fim de permitir que as emoções de seus ouvintes achassem expressão. Ele dá muitos exemplos do efeito imediato, visível e dramático de seus sermões.

Para congregar as multidões Wesley não se serviu de qualquer dos meios familiares de hoje. Não havia anúncios, nem comissões locais, não havia jornais amigos, nem as atrações de grandes coros. É ainda um problema saber-se de que modo as multidões foram induzidas a se congregarem, porque Wesley não oferece qualquer indicação de organização alguma para este fim. Parecia como se os ouvintes lhe esperassem, para surgirem à sua frente, como se por algum sibilar misterioso, vindo do espaço. Era hábito constante de Wesley pregar às cinco horas de cada manhã e freqüentemente foi despertado muito antes desta hora pelas vozes, às vezes pelos hinos, da multidão que já se ajuntara. Como foi que ele conseguiu ajuntar no crepúsculo da aurora, e freqüentemente enquanto as estrelas ainda eram visíveis no céu, tais multidões para ouvi-lo?

Quem lê o Diário e as cartas de Wesley durante este período há de notar uma mudança notável. Algo tem desaparecido repentinamente da vida de Wesley. A inquietação velha e impertinente – o cansaço, a amarga censura de si mesmo, o suspiro de anelos derrotados – todos já se foram! Estas coisas haviam constituído durante quatorze anos a sua religião. Agora tudo se mudou. Eis um homem que já alcançara a certeza. A religião não é para ele uma simples aspiração, mas é uma possessão. É homem de um espírito mais humilde do que nunca; entretanto ligada a esta humildade de criança existe a confiança exultante de um grande homem santo, a calma serena de uma alma que já passara além do conflito e alcançara a vitória. A sua serenidade de espírito que cuidado algum podia perturbar, nem ansiedade alguma escurecer, não era menos do que uma maravilha. Se aparentemente falha por um momento, é só por um instante, para a admiração do próprio Wesley. Diz ele:
“Eu me admirara muitas vezes de mim mesmo –e às vezes o mencionara a outros – que dez mil cuidados de várias espécies não me pesavam mais o espírito do que dez mil cabelos me pesavam a cabeça. Talvez eu começasse a atribuir algo disso às minhas próprias forças. E talvez resultasse que no domingo 13 o poder me fosse negado e eu me sentisse perplexo acerca de muitas coisas. Uma após outra me acossava constantemente, e turbava o espírito, mais e mais, até eu achar necessário correr pela vida, e isto sem demora. De modo que no dia seguinte, segunda-feira 14, eu montei a cavalo, dirigi-me a Bristol. Logo que chegamos a casa em Bristol minha alma achou-se aliviada da sua indizível carga que me havia pesado o espírito, mais ou menos, por alguns dias”.

“Um pouco mais trabalho”, para esta vida tão cheia de fadigas, era, no dizer de Wesley em outra passagem do seu Diário, um tônico que matava o cuidado!

Qual foi o poder que fundia uma vida, tão dividida entre tantos interesses, numa unidade; que dava a uma única vontade o poder resistente de aço e que fazia de um homem falível uma força tremenda, e o conservava num plano tão alto? A explicação acha-se no domínio espiritual. Wesley havia se apossado do segredo central do cristianismo. Ele vivia, pensava, pregava, escrevia, trabalhava sob o império unido de motivos augustos, as forças divinas da religião.

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** (Esse texto corresponde ao capítulo XVIII, "O grande itinerante", do livro Wesley e seu século – um estudo de forças espirituais, volume I, respectivamente nas páginas 217 a 232, Edição de 1916 publicada pela Typographia de Carlos Echenique, Porto Alegre, RJ).

OBS: Esse livro originalmente não usa parênteses. As notas explicativas dentro de parênteses são de iniciativa dessa edição on line do site da Igreja Metodista de Vila Isabel)

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