IGREJA METODISTA EM VILA ISABEL
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Rio, 1/5/2009
 

Através do Atlântico: o início do metodismo na América ** (Rev. W. H. Fitchett)

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Quem deseja ver o modo estranho e esquisito – adiantando-se sobre todos os planos humanos, ou independentemente deles – em que um grande movimento religioso tal qual o do século XVIII, se estende, bem pode estudar a história da extensão do trabalho de Wesley na América. As forças do grande movimento voaram através do largo Atlântico como faíscas levadas pelo vento – o vento que sopra onde quer.

Não havia campo humano que parecia menos promissor – no tocante a condições espirituais ¬do que o oferecido pelos Estados Unidos nesse tempo. Possuiam a aspereza de colônias novas, onde as forças e instituições da vida civilizada somente achavam-se meio desenvolvidas. Uma população esparsa espalhava-se por uma imensa área geográfica, e onde hoje se encontram algumas das maiores cidades do mundo achavam-se então pouco mais do que vilas. Por exemplo, a Filadélfia em 1739, quando Whitefield chegou ali, tinha apenas 2.076 casas, e uma população de dez a onze mil pessoas. A maravilhosa voz de Whitefield podia se ter feito ouvir pela população inteira num só auditório. A vida social estava na sua forma mais rude; a vida industrial só começava se mexer; as instituições da própria religião, em largas regiões, ainda estavam sem existência.

Franklin conta uma história interessante de período ainda mais primitivo, quando alguém intercedia com o Procurador Geral desse tempo, pedindo patente de incorporação e fundos para o estabelecimento de um colégio na Virgínia, e fez lembrar ao Procurador “que o povo da Virgínia tinha almas que necessitavam da salvação tanto como as da Inglaterra”. Mas a grande autoridade da lei exclamou: “Almas, sejam condenadas as vossas almas! Plantai tabaco!” E em largos distritos das colônias primitivas este conselho brusco e pagão fora seguido. O povo considerava o negócio do plantio do tabaco – ou seu equivalente – como sendo muito mais urgente e importante do que o da salvação de suas almas, se, realmente, acreditaram ter almas que necessitassem de salvação. Também já nos horizontes políticos dos Estados Unidos se divisava a ameaça de uma guerra iminente da colônia desejosa de liberdade com a pátria-mãe, guerra esta que havia de dividir o povo inglesa durante os anos desconhecidos do porvir.

É bem curiosa a história do primeiro estabelecimento do Metodismo no solo americano. Em 1752 João Wesley visitou uma interessante colônia de alemães, do Palatinato sobre o Reno, estabelecida na Irlanda – um grupo de pequenas vilas, Ballinga¬rene, KilIeheen e Courtmatrix. A sua visita resultou em muitas conversões e na formação de algumas sociedades Metodistas. Wesley registra a visita sem comentário no seu Diário; pois ele formava parte do trabalho do dia. No entanto, naquela pequena comunidade Germano-Irlandesa, ele tinha, sem saber, plantado a semente da qual havia de nascer mais tarde sob outros céus a grande Igreja Metodista dos Estados Unidos.

Um de seus conversos foi Philippe Embury, que se tornou pregador leigo; um homem que não possuía qualquer dote notável de inteligência, entretanto, o seu nome – quase por acaso – tem se tornou parte da história. Embury era parte de um grupo de imigrantes germano-irlandeses para os Estados Unidos em 1764. Ele estabeleceu-se em Nova York, mas lhe faltava a coragem para ali começar a obra religiosa, e por uma reação forçosa e notável a sua própria vida religiosa começou a morrer. Outro grupo desses imigrantes germano-irlandeses, da mesma vizinhança, chegou em Nova York no ano seguinte. Entre estes, Bárbara Heck, mulher humilde, mas de caráter corajoso, e Metodista sincera. O seu zelo acendeu-se com veemência feminil (feminina) quando achou que o primeiro grupo de imigrantes havia praticamente se esquecido do seu Metodismo. Uma história familiar, mas de duvidosa autenticidade, relata como ela foi a uma sala onde Embury e seus companheiros estavam jogando cartas; ela pegou no baralho, jogou-o no fogo e clamou a Embury: “Tereis de pregar para nós ou então todos iremos juntamente ao inferno; e Deus requererá o nosso sangue das vossas mãos”. O homem repreendido balbuciou: “Não posso pregar, pois não tenho nem capela nem congregação”. Bárbara Heck lhe respondeu: "Pregai na Vossa própria casa, e para a nossa companhia". E assim se pregou o primeiro sermão Metodista na América sob um teto particular e a um auditório de cinco pessoas.

Diz-se às vezes, em referência a este incidente, com ar de mofo, que o Metodismo Americano “nasceu numa mesa de jogo”: mas há evidência que o próprio Embury não havia perdido os seus hábitos Metodistas e nem tinha se tornado em jogador de cartas.

A obra que começou deste modo espalhou-se. Logo se formou uma congregação e organizou-se uma primeira sociedade Metodista. Era para esta congregação que veio, num domingo, um oficiai inglês plenamente fardado; caiu de joelhos com os outros adoradores, e uniu-se com eles no canto quando se levantaram. Era o Capitão Webb do 42º Regimento, soldado denodado (intrépido, destemido) que se convertera ao escutar um sermão pregado por João Wesley em Bristol.

Webb era soldado distinto e, de muitos modos, homem notável! Pelejou no sítio de Louisburgo, sendo gravemente ferido. Recebeu um balaço que, entrou pelo lado direito da cabeça, dirigindo-se para baixo, furou-lhe a vista direita, caiu na boca e no choque incidente à ferida, Webb engoliu a bala. O camarada que veio examiná-lo disse: “Está morto!” Mas o indomável Webb disse em voz bem baixinha: “Não, ainda não morri”. Viveu e acabou tomando parte em muitas outras guerras em que a Inglaterra estava envolvida. Ele, por exemplo, estava com a pequena, mas heróica coluna de soldados que, à meia noite de 12 de setembro de 1759, escalou a penha (penhasco, penedo, fraga) se colocando nas “alturas de Abraão” (num lugar bem alto) e, na temível batalha da manhã seguinte ele viu a morte de Wolfe e a destruição do poder francês no Canadá.

Era homem robusto, de rosto cheio, e o pedaço de pano verde que lhe cobria a vista vazada deu-lhe às feições um aspecto peculiar. Ele costumava levar consigo ao púlpito a espada, e antes de começar a pregação a deitava sobre a mesa em frente. Era peça de aço valente (rijo, resistente), e junto com o rosto assinalado pelas batalhas do pregador, nunca deixou de impressionar o auditório.

João Adams, o segundo Presidente dos Estados Unidos, bom juiz de oratória, descreve a Webb como “o soldado velho, um dos homens mais eloqüentes que jamais ouvi”. Webb levou para a sua religião todas as belas qualidades do soldado – a coragem, a lealdade, a iniciativa. Tornou-se pregador local, e costumava ir ao púlpito pregar em uniforme de rigor. Ele estava destacado com o seu regimento em Albany, quando ouviu sobre a existência da sociedade Metodista em Nova York; assim desceu o rio, fez-se conhecido, e logo deu o impulso de uma nova energia aos trabalhos Metodistas.

Uma mulher encabeça a grande lista dos conversos cristãos na Europa: Lídia, a vendedora de púrpura de Filipos. Igualmente nos Estados Unidos a figura de uma mulher, a de Bárbara Heck, está na frente do Metodismo Americano. E ao lado dela se achavam os vultos de dois leigos, Embury, o carpinteiro e Webb, o soldado.

Construiu-se a primeira capela Metodista em Nova York, nos Estados Unidos e em todo o continente americano. Embury com as próprias mãos fez o púlpito e dele pregou o primeiro sermão aos 30 de outubro de 1768. Era um edifício baixo de pedra, 60x42 pés, e tinha lareira e chaminé. Isto se fez para escapar às exigências da lei que proibia a construção de quaisquer casas de culto a não serem anglicanas (a igreja oficial do Estado inglês e soberano das colônias americanas). A obra se estendeu com ligeireza e escreveu-se uma carta a João Wesley pedindo-lhe que enviasse um dirigente, e acrescentando que, caso a Conferência Inglesa não pudesse pagar a passagem do pregador, os membros da pequena sociedade em Nova York venderiam os paletós e as camisas para prover os fundos.

Deve-se lembrar que Wesley tinha uma tática bem definida e prudente em suas operações. Ele tomava passos curtos, e nunca ia longe de sua base. Não ultrapassou o canal de S. Jorge até maio de 1747, nem passou a fronteira escocesa até 1751. Transpor o Atlântico até a América parecia, a seus olhos prudentes, uma política, senão ousada, pelo menos, demais apressada. Um pouco mais tarde, quando se pedia que o próprio João Wesley visitasse a América, ele respondeu:
“O caminho não está claro; não tenho que fazer ali enquanto puderem passar sem a minha presença. Presentemente sou devedor ao povo da Inglaterra e da Irlanda”.

Mas o clamor da América foi mui urgente; um metodista pertinaz escreveu:
“O Senhor Wesley diz que a primeira mensagem de seus pregadores é para as ovelhas perdidas da Inglaterra. E não as há na América? Elas se extraviaram da Inglaterra para as matas virgens daqui, e estão correndo desenfreadamente atrás das coisas deste mundo. Estão bebendo vinho a cântaros (exageradamente), estão pulando e dançando, e servindo ao diabo nos bosques e embaixo das árvores verdes. E não são ovelhas perdidas? E não há ninguém entre os pregadores que queira vir aqui? Onde está o Senhor Brownfleld? Onde está o João Pawson? Onde está o Nicolau Manners? Estão vivos, e não querem vir aqui?“(Southey vol. II pg. 202)

Não fora possível recusar este apelo, e a Conferência de 1769 chamou por voluntários para irem à América. Dois auxiliares, Ricardo Boardman e José Pilmoor, se ofereceram. Não foram enviados através do Atlântico com as mãos vazias. Os membros da Conferência – a companhia de homens que talvez trabalhassem mais e recebiam menos do que qualquer outro grupo na Grã-bretanha nesse tempo – ajuntou as suas moedas escassas. Precisavam de vinte libras para pagar a passagem dos voluntários através do Atlântico, e levaram consigo a soma de cinqüenta libras como penhor do amor fraterno do Metodismo da Inglaterra para o da América. Aqueles dois auxiliares, pois encetaram a cristianização de um continente com somente cinqüenta libras!

A Conferência de 1771 fez uma contribuição ainda mais notável para a vida religiosa dos Estados Unidos. Ela mandou Francisco Asbury e Ricardo Wright para a América; e Francisco Asbury era sem dúvida a dádiva mais nobre que Inglaterra deu a seus filhos além do Atlântico. Ele ainda não chegou a ser devidamente apreciado, nem pelos americanos nem pelos próprios metodistas.

Foi no ano em que Whitefield morreu que Asbury pisou em solo americano, e enquanto este desconhecido de Staffordshire não possuiu nenhum dos poderes notáveis da oratória de Whitefield, ainda estava destinado a fazer uma im¬pressão mais profunda e permanente sobre a vida religiosa da América do que aquela feita pelo grande pregador.
Este filho de um casal do povo começou a pregar quando rapaz de dezessete anos. Seguiu, para a América quando tinha sido auxiliar por somente quatro anos, e estava ainda, em termos modernos, “em experiência”. Ele encetou aquela peregrinação que havia de guiá-lo a destinos gloriosos, sem ter um penny no bolso. No vasto e rude palco da América ele fez o papel de apóstolo, sem ostentar o seu apostolado; e deveras, sem no mínimo ter qualquer idéia que fosse apóstolo. As suas viagens rivalizam em termos de tempo e distância – se não sobrepujam – às do próprio João Wesley, e foram feitas em condições muito mais difíceis. Ele achou pouso (hospitalidade e abrigo) nas rudes choupanas dos pioneiros (os primeiros habitantes europeus na maior parte dos territórios norte-americanos); o seu curso (caminho) atravessou as florestas sombrias e quase desertas, passou as largas planícies e rios sem pontes. O seu salário durante a maior parte de sua vida era inferior a 20 libras por ano. Alto e magro, o seu corpo delgado possuía a rigidez do aço, ao passo que o seu temperamento possuía a gentileza de uma mulher.

Foi um Fletcher sem o temível aspecto de outros mundos que estava constantemente visível na testa de Fletcher; foi um Wesley sem a imperiosa vontade, obstinação, e inclinação para o alto “eclesiasticismo” do seu grande líder. Mas o próprio João Wesley não podia ter viajado, pregado ou trabalhado mais do que ele. A vida santa (consagrada) de Fletcher não tinha talvez mais da atmosfera de oração do que a de Asbury. A oração formava parte de cada fibra de sua vida. Com a magia (o poder sobrenatural) da oração ele influiu em todos que encontrava, por um só momento que fosse. Permanecendo na choupana de algum colono por dois ou três dias ele tinha oração com a família em cada refeição. Nenhum visitante vinha à casa de Asbury sem ser recebido ou despedido com oração. Asbury não possuía o gênio de comando de Wesley, mas dava-se melhor com o caráter e as condições da vida americana do que o seu grande líder. Não tinha prevenção de classe; não pertencia a qualquer escola política; nem tinha qualquer tendência a ritualismo. Ele conservou a unidade, como Wesley talvez não teria feito, entre as sociedades Metodistas na América durante a sanguinolenta guerra civil (pela independência das 13 Colônias), e as conteve pela sábia suavidade que o amor ensina; pois o seu único gênio foi aquele dado pelo amor. Neste aspecto ele parecia mais com o Fletcher do que com Wesley; era realmente uma versão inglesa plebéia (popular) daquele suíço angélico. Asbury era meio serafim (anjo, pessoa de beleza e caráter raros) meio plebeu (popular) – um serafim com o toque do comum que se encontra no povo, mas nem por isso menos seráfico (angélico).

Wesley, não obstante a brevidade de sua relação pessoal com o Asbury, pôs nele o seu selo característico. É ainda visível nas suas sentenças curtas e vigorosas. Estava bem legível a seus contemporâneos na nitidez no vestir, na sua diligência metódica, na sua avidez pela instrução, e nos seus hábitos de estudante. Este homem de Staffordshire, viajando cinco mil milhas por ano, pregando incessantemente, dando três horas por dia à oração, e sem moradia certa, entretanto tinha por regra fixa ler cem páginas por dia. Asbury fez-se douto e tornou-se senhor do latim, grego e hebraico.

A que ordem misteriosa pertenciam tais homens? Parecem ter possuído faculdades que jazem esquecidas nos homens em geral, e que tiraram a vida de fontes mais ricas. As experiências que para outros homens são raras e momentâneas – sentimentos de emoção e de visão, que vem e desaparecem de momento – eram para homens tais como Wesley, Fletcher e Asbury condições permanentes e comuns da vida. São deveras revelações das forças não utilizadas que dormem esquecidas na religião.

Não é necessário louvar a inteligência de Asbury. O amor lhe ensinou a sabedoria, e o amor lhe deu poder. Pelo encanto deste amor, ele alcançou alturas de influência impossíveis à energia meramente intelectual. Ele curou as divergências de 1779-80 entre os ramos norte e sul da recém nascida Igreja Metodista na América, não à força de argumentos, nem pelo mero jeito ou autoridade, mas por suas lágrimas e orações, e por aquele amor que cintilava em suas lágrimas e respirava em suas orações. Homem solteiro e solitário; rústico por nascimento, que nada devia às escolas e pouco a dotes naturais; não tendo qualquer poder de debate, e aparentemente não possuindo dom algum para a liderança; entretanto, na história de sua Igreja, como Deus vê, e o escreve, e há de guardá-lo, bem poucos vultos são maiores do que o bispo do Metodismo nos Estados Unidos Francisco Asbury.

João Wesley, bom juiz de homens como foi, não reconheceu no princípio os proeminentes dons de Asbury. É verdade que reconheceu a mansidão que constituiu a nota saliente no caráter de Asbury, mas não descobriu logo a força e a sagacidade envoltas nessa mansidão. Wesley possuía os instintos de um general; e acreditava que na formação da nova Igreja no solo inculto da América, seria necessária uma mão forte; portanto em 1773, ele mandou, como reforços ao trabalho na América, a Thomas Rankin e a Jorge Shadford. A sua carta de autorizarão a Shadford é característica.
“Eu te solto, Jorge, no grande continente Americano. Publica a tua mensagem à luz do sol, e faze todo o bem que puderes”.

Rankin, que figura nas cartas de Wesley como “querido Tommy”, era escocês de nascimento, soldado de educação – soldado da escola de João Haime – e Wesley o fez auxiliar geral das sociedades na América, com o propósito expresso de apertar mais as rédeas disciplinares ali. Rankin certamente trouxe para a sua religião algo da têmpera (austeridade, índole, temperamento), e muito da disciplina do soldado. Sabe-se que o mesmo Asbury, onde era coisa de princípios, era capaz de exercer mão de ferro; mas o toque de Rankin era o de aço trabalhado! O seu senso de ordem ficou tão profundamente abalado pelas manifestações físicas que se viam em certos avivamentos que ele ficou disposto a queixar-se dos mesmos avivamentos. Ele levou para as reuniões das Sociedades os acentos mandantes do soldado, e por algum tempo parecia como se a natureza meiga de Asbury, com as influências mais belas e sábias que ele representava, seria banido do campo. Em suma, a fábula de Esopo a respeito do torneio entre o sol e o vento foi novamente, exemplificada no contraste entre os métodos dos dois homens; e como na fábula, a meiga luz do gênio de Asbury se mostrou mais eficaz do que o vento forte e rijo personificado na administração de Rankin.

O Metodismo desde o começo cresceu com rapidez quase tropical no solo Americano. Era adaptado ao gênio do povo, e quadrava (adaptava-se) perfeitamente com as suas circunstâncias. Um ministério tão móbil e empreendedor como a cavalaria ligeira de um exército invasor, espalhou-se por todo o vasto continente. Os primeiros pregadores trouxeram os métodos de Wesley, e as tradições do primeiro grupo heróico de seus auxiliares à América. Sobrepujaram a marcha dos imigrantes e trabalharam mais do que os colonos; levaram a mensagem e o espírito de religião por toda à parte. E ano após ano a história de novas sociedades e múltiplas capelas, e de um sempre crescente exército de auxiliares, foi relatado à Conferência Britânica (da qual o Metodismo das Colônias fazia parte).

Asbury contribuiu grandemente para isso pelo jeito de sua administração. Ele possuía muitos dons de um grande general; sabia escolher os homens; podia olhar sobre um continente inteiro e ver os seus pontos estratégicos, e colocar em cada lugar o homem justamente adaptado ao posto. Ele sabia, também, combinar exatamente o temperamento e o gênio do pregador com o grau de espiritualidade de cada Sociedade; e não obstante a sua meiguice, Asbury possuía suficiente resolução para agir sob sua própria interpretação da situação. Distribuiu os seus auxiliares pelo continente com o método e com muito da perícia de um grande general na distribuirão de suas tropas.

Entretanto o Metodismo na América foi logo no começo grandemente embaraçado. Uma guerra civil estava preste a se rebentar. A primeira Conferência reuniu-se enquanto os canhões de Lexington estavam ainda despedindo a suas vibrações sinistras através do mundo. O encontro histórico de Coke e Asbury na América, aos 13 de Agosto de 1776 (*), era o ponto de partida da grande Igreja Metodista Episcopal dos Estados Unidos. Somente três semanas antes fora assinada a Declaração da Independência e os laços que vinculavam as 13 colônias à Inglaterra foram desfeitos. Fundar uma nova Igreja em solo sacudido por terremoto político de tamanha escala era tarefa que bem poderia se considerar como demasiado grande para as forças humanas conseguirem. Mas algo mais sábio do que o entendimento humano e mais poderoso do que a força humana se dedicou à tarefa.

(*) Nota do Tradutor Eduardo E. Joiner: - O ilustre autor Rev. W. H. FITCHETT errou quanto ao encontro entre Coke e Asbury. Coke só visitou à América em fins do ano 1784, e a Igreja Metodista Episcopal foi formalmente organizada em Baltimore no Natal desse ano.

Os auxiliares que Wesley enviara através do Atlântico par a América eram, por certo, ingleses ou escoceses de nascimento, simpatizavam com a sua terra nativa, compartilhavam da obstinada lealdade de Wesley. Durante o conflito entre as colônias e a Inglaterra surgiu um grande mal estar entre os pregadores europeus e as congregações compostas pelos americanos: os metodistas americanos mui naturalmente tiveram suspeitas de que os pregadores que eram faltos de patriotismo, para não dizer anti-americanos.

Wesley do outro lado do Atlântico (que opunha-se a independência das colônias) declarava nesse mesmo momento que tão prontamente teria sociedade com um bêbado ou com fornicador como com revoltoso (ou seja, que o simpático ou militante pela independência americana era tão pecador quanto um bêbado ou fornicador). Com que complacência, pois, poderia o Rankin, ex-praça da Cavalaria, com mais do que o instinto •do soldado pela disciplina e o ódio do soldado pela deslealdade, contemplar os revoltosos? Um por um os primeiros auxiliares de Wesley tiveram de retirar-se da América, retornando à Inglaterra. Mais tarde o Congresso americano exigiu que os pregadores fizessem juramento de fidelidade ao novo governo; mas isto até o mui paciente Francis Asbury se recusou a fazer. Ele foi multado em 5 libras por pregar sem fazer o juramento, e foi praticamente silenciado durante dois anos, e teve de ficar escondido por grande parte deste tempo.

Os tristes efeitos da guerra civil refletem-se nas Atas da Conferência Inglesa. Durante dez anos – dez anos tristes e melancólicos – 1773 a 1783 – não há menção alguma do trabalho metodista na América. É como se esse trabalho – uma igreja inteira! – desaparecera! De 1773-1784 não se publicou Ata alguma da Conferência Americana.

Pode-se acrescentar que Wesley aumentou grandemente as dificuldades de seus auxiliares na América, por suas expressões (posicionamentos) políticas na Inglaterra. Em 1775 ele publicou um folheto de quatro páginas intitulado: “Um apelo calmo a nossas colônias americanas”. Talvez nem antes nem desde então, houvesse um tão pequeno pedaço de papel impresso que produzisse tamanha sensação. Mais de 40.000 exemplares foram vendidos em poucas semanas. O folheto moveu a gratidão quase lacrimosa dos membros do governo inglês, admirados de achar ao lado deles um homem como Wesley, que conhecia tão bem o vulgo (povo) e que tinha sobre ele tanta influência, mas o folheto ofendeu profundamente a todos que eram opostos à guerra, e trouxe sobre o próprio Wesley uma tempestade de invectivas (insultos). Os seus amigos na América tentaram suprimir (dar fim) o folheto, queimando todos os exemplares que por lá chegaram. Wesley bruscamente declara em seu folheto que os americanos não tinham nenhuma razão de queixa, e, que não foram destituídos de direito algum. Afirmou que o Parlamento Britânico tinha poder para tributar às colônias americanas, e que a revolta no fundo não era luta pela liberdade; mas um esforço para subverter a monarquia.

Mas o tal “ApeIo Calmo” de Wesley era, de fato, uma simples abreviação do bem conhecido folheto de Johnson, “Tributação não é Tirania”, adornado com o nome de Wesley e umas poucas sentenças do seu nervoso inglês. A sua publicação, nesta forma, não sem razão, expôs Wesley a acusação de plágio. O folheto estava também em flagrante contraste com certas expressões de Wesley em data anterior. Por exemplo, em 15 de junho de 1755, Wesley se dirigiu ao Lorde North, protestando contra o tratamento dado aos americanos. Ele escreveu:
“Todas as minhas prevenções são contra os americanos; porque sou High Churchman - ritualista - filho de High Churchman, crendo assim, desde a infância, nas idéias de obediência passiva e de não resistência; e não obstante as minhas bem enraizadas prevenções, não posso deixar de pensar, se penso coisa alguma, que um povo oprimido está a pedir nada mais do que o seu direito legal, e isto do modo mais modesto e inofensivo que a natureza do caso permite. Mas pondo de lado todas as considerações da justiça ou da injustiça, eu pergunto, se é de bom senso empregar a força para com os americanos? Estes homens não se assustarão; e parece que não serão vencidos tão facilmente como no princípio se imaginara. Talvez contestarão cada polegada de terreno; e, se morrerem, morrerão com a espada na mão”. (Tyerman, voI. I, pág. 198).

Sentimentos admiráveis são estes; mas ao passo que Wesley escreveu deste modo em particular, como foi que escrevesse de um modo tão diferente para o público?

A verdade é que na política Wesley estava susceptível a falar com conhecimentos inadequados sendo demasiado ocupado num domínio maior para poder se assenhorear dos fatos pertinentes a um mundo tão diferente. Em negócios políticos, também, tanto por educação como por caráter, fez que ele fosse o que se chamava nesse tempo um Tory. Somente quando a sua consciência se tornava peremptória se corrigia as suas idéias políticas.

Facilmente se entende como as expressões de Wesley na Inglaterra aumentariam as dificuldades de seus pregadores na América. Mas é forçoso dizer que Wesley era muito mais sábio por seus pregadores do que por si mesmo. Ele lhes escreveu assim:
"O vosso papel é o do pacificador; deveis ser amáveis e ternos para com todos, mas sem ligar-vos a partido algum. Na face de todas as solicitações quer sejam por palavras ásperas quer por suaves, não digais uma palavra sequer contra um ou outro partido; conservai-vos puros; fazei o que puderdes para ajudar e suavizar a todos; mas cuidai que não vos metais nas rixas de outros”.

Com o mesmo espírito CarIos Wesley lhes escreveu dizendo:
"Quanto aos negócios públicos desejo que sejais como eu. Não sou nem de um lado nem de outro e, entretanto sou de ambos: ao lado da Inglaterra nova e velha”.

Logo veio a crise dos negócios eclesiásticos na América – crise que apressou a solução da mesma questão na própria Inglaterra. Wesley exigiu que os seus auxiliares na América, como na Inglaterra se conser¬varem, não somente em relações de amizade para com a Igreja Anglicana, mas deviam até se considerar os humildes e desconhecidos servos dela. Não deviam administrar os sacramentos, nem celebrar cultos nas horas dos serviços na Igreja, nem haviam de se chamar-se Dissidentes (dissidentes da Igreja oficial). Mas o número de párocos nos Estados Unidos era diminuto (pois a maioria durante a guerra retornou para a Inglaterra); as paróquias (as vilas, cidades e áreas geográficas que um pároco tinha sob sua responsabilidade) eram vastas, e com demais freqüência eram servidas de homens sem zelo nem piedade. Era absurdo imaginar que as enérgicas e crescentes Sociedades do Metodismo continuariam a depender da caridade – caridade freqüentemente mesquinha e pouco generosa – de uns poucos clérigos anglicanos (que, tal como acontecia na Inglaterra, desprezavam os metodistas) para a ministração dos sacramentos.

A guerra civil de fato, destroçou toda a política de Wesley neste assunto. A maioria dos clérigos anglicanos abandonou as suas paróquias e fugiram das colônias revoltadas. A administração dos sacramentos nas Sociedades Metodistas ameaçava ficar – e por áreas largas praticamente ficou – obsoleta e quase esquecida.

A questão dos sacramentos na América tornou-se assim urgente e peremptória. João Wesley pediu aos bispos (anglicanos) ingleses que ordenassem alguns de seus auxiliares para atenuar a crise, mas eles o recusaram. Os bispos ingleses não tinham grande desejo para ministrar os benefícios da religião a revoltosos americanos que guerreavam contra a pátria mãe e ao seu soberano legitimo. Wesley escreveu ao Bispo de Londres:
“Tenho dó da pobre América e das ovelhas dispersas ali; em parte elas não têm pastor algum, especialmente nas colônias do norte; e a condição das demais é pouco melhor, pois os seus próprios pastores não têm compaixão delas”.

João Wesley com paciência característica esperou por quatro anos antes de agir. Escreveu duas vezes a Lowth, o Bispo de Londres, homem de espírito liberal e de simpatias generosas, pedindo que ordenasse, pelo menos, um pregador que pudesse viajar entre as Sociedades Metodistas Americanas para administrar os sacramentos. Mas Lowth recusou. Ele disse: “Já existem três ministros naquele país”. Wesley mui naturalmente respondeu: “E quantos são estes para zelarem por um continente?” Não somente eram demasiado pouco em número; mas eram visivelmente destituídos do caráter necessário para o trabalho a se fazer.

Wesley escreveu novamente ao Bispo Lowth:
“Vossa Senhoria não teve por bem ordená-lo (auxiliar de Wesley), mas vossa Senhoria teve por bem ordenar e mandar para a América outros homens que sabiam algo de Grego e Latim, mas que não sabiam mais de salvar almas do que de pescar baleias”.

Os fatos para Wesley sempre possuíam uma lógica final. Nesse tempo ele começara contemplar toda a situação com olhos desvendados das prevenções eclesiásticas. Ele refletiu que, talvez, fosse um bem os bispos não terem ordenado os pregadores metodistas.
“Se eles Ihes ordenassem agora (escreveu ele) haviam de querer governá-los; e quão seriamente isto nos embaraçaria! Mas os nossos irmãos americanos agora se achando totalmente desembaraçados, tanto do Estado inglês como da sua hierarquia, não ousamos embaraçá-los nem com um nem com outro. Estão agora com a plena liberdade de seguirem com simplicidade as escrituras e a Igreja primitiva; e julgamos melhor que eles permaneçam firmes naquela liberdade com que Deus tão maravilhosamente lhes libertou”. (Southey voI. lI, pág. 213).

Ele resolveu a dificuldade ao ordenar um superintendente ou bispo para a América. Wesley age com deliberação, e expõe com grande força as razões que lhe influíram. Por que fez para a América aquilo que recusara fazer para a Inglaterra? Ele responde:
“Aqui há bispos que têm jurisdição legal. Na América não há ninguém, nem existem ministros nas paróquias; de modo que na extensão de centenas de milhas não há ninguém para administrar nem o batismo nem a ceia do Senhor. Aqui, pois se findam os meus escrúpulos; e julgo-me com plena liberdade, não estou violando ordem alguma, nem invadindo os direitos de ninguém, por nomear e enviar trabalhadores para a seara”. (Southey, voI. lI, pág. 213).

Desta forma, pois, Wesley e Creighton, clérigo que era também um de seus auxiliares devotos, ordenaram a Thomaz Coke como superintendente, e Ricardo Whatcoat e Thomas Vasey como presbíteros para a América. Coke, por sua vez devia ordenar a Francis Asbury.

Wesley, a seu modo prático, só iria até onde tinha de ir, mas não mais longe. É verdade que seus princípios iam muito além dos seus atos; porque era inglês sem imaginação que conservou os pés em terra firme, cuidando muito de coisas concretas e nada de abstratas; muito de eficiência prática e pouco de lógica. Na Inglaterra como na América, ele, esticou, quase a ponto de rompimento, a lealdade de seu povo por seu desejo de conservar a amizade da Igreja Anglicana. Por exemplo, na América, em 1779, as Igrejas Metodistas nos Estados do Sul deliberadamente romperam e resolveram começar a existência como uma Igreja independente (autônoma), visto não haver outra maneira de conseguirem a administração dos sacramentos entre si. A cisão foi unicamente fechada pelas orações e lágrimas e pelo jeito especial de Asbury.

É divertido notar, na própria ordenação de Coke, a ternura característica de Wesley para com a teoria ritualista que havia muito renunciara e que agora ele está a repudiar publicamente. Não quer chamá-lo de “bispo”, está o constituindo tal, mas o denomina “superintendente”. Foi a singeleza e o bom senso americano que mais tarde pôs de lado a palavra pesada de “superintendente”, fazendo o nome e o fato se harmonizarem no termo bispo.

Wesley era, também, pouco lógico em outro ponto. Ele declara que Lorde King havia-lhe convencido que presbíteros e bispos são da mesma ordem. Porque, então o julgou necessário ordenar a Coke como bispo sob o nome de “superintendente”? A crítica de Southey sobre este ponto é perfeitamente sã. Sob o princípio de Wesley a consagração era inútil, pois Dr. Coke, havendo sido regularmente ordenado, era já tão bom bispo como o próprio Wesley.

Coke era uma dádiva quase tão boa para a América como foi o Asbury. O seu jeito, o seu zelo e a sua sobrepujante personalidade fê-lo de vez um poder; e se pode acrescentar que era cavalheiro por nascimento e posição, e douto por educação. Possuía uma posição social que os outros auxiliares de Wesley não podiam pretender. Asbury estava fazendo uma viagem pelo país na ocasião da chegada de Coke; mas logo que Coke acabou de pregar numa capela em Delaware, “um homem singelo e robusto lhe veio ao púlpito e o beijou, pronunciando ao mesmo tempo uma saudação primitiva. Era Asbury. E os dois homens destinados a impressionarem tão profundamente aos Estados Unidos tornaram-se imediatamente em amigos íntimos.

Não está à alçada deste livro descrever mais minuciosamente o progresso da obra na América. O Metodismo ali era simplesmente uma muda do avivamento inglês plantada sob outros céus, e em condições difíceis. Entretanto tem crescido e tem se tornado o ramo mais vigoroso do protestantismo, entre povos que falam a língua inglesa que se conhece na história! As condições geográficas e políticas lhe deram a forma de Igreja independente mais cedo do que o movimento materno na Inglaterra; e é hoje o mais poderoso corpo religioso numa nação de oitenta milhões de habitantes. Se o trabalho de Wesley fosse julgado por este, em certo sentido um resultado secundário, mesmo assim quão grande é a sua escala!

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** (Esse texto corresponde ao capítulo XXIV, "Através do Atlântico", do livro Wesley e seu século – um estudo de forças espirituais, volume I, respectivamente nas páginas 301 a 317, Edição de 1916 publicada pela Typographia de Carlos Echenique, Porto Alegre, RJ).

OBS: Esse livro originalmente não usa parênteses. As notas explicativas dentro de parênteses são de iniciativa dessa edição on line do site da Igreja Metodista de Vila Isabel).


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