IGREJA METODISTA EM VILA ISABEL
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Rio, 28/9/2009
 

A década de 1770 - A controvérsia e ameaça de cisma entre os metodistas arminianos e os calvinistas liderados pela Condessa Huntingdon ** (Rev. W. H. Fitchett)

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George Whitefield faleceu em Newbury-Port, nos Estados Unidos, aos 30 de setembro de 1770, e a sua morte possuía certas feições dramáticas que davam um fecho digno de uma grande carreira. Ele concluíra uma semana de serviços (pregações) ao ar livre, assinalados de poder extraordinário, em Portsmouth, New Hampshire. Em caminho para casa discorreu a uma vasta multidão nos campos vizinhos a Exeter. Era, se bem que não o sabia, o seu último serviço, para servir-nos de suas palavras, em que teve “por teto os céus” e foi tão tomado de emoção que pregou com incansável energia durante duas horas! Havia trinta e dois anos, ele rompera com todas as tradições eclesiásticas e pregara ao ar livre para os mineiros em Kingswood, e o seu último sermão ao ar livre era tão poderoso como o primeiro.

À noite do mesmo dia, logo ao escurecer, a multidão congregou ao redor da casa onde Whitefield se hospedara, e invadiu a sala, ansiosa de apanhar mais umas palavras de lábios tão eloqüentes. Whitefield estava ceando, achava-se exausto de fadiga, e atacado, se bem que não o sabia, de uma doença mortal, e pediu a um clérigo, em assistência, que falasse ao povo. Pois, disse ele, “não posso proferir uma só palavra”, e pegando numa vela, apressadamente, ia se retirando para o quarto.

Na escada, parou e, contemplando os semblantes volvidos a ele desde a sala em baixo, tornou-se-lhe irresistível este apelo silencioso e solícito da multidão, e com a vela erguida na mão direita, Whitefield começou a falar. A voz trêmula e harmoniosa prosseguia, a catadupa de palavras e pensamentos não cessou até que a vela na mão do pregador havia-se consumido e com um relâmpago final, apagou-se. Embora, ninguém o cismava, Whitefield estava moribundo; a extinção da vela era uma parábola.

Anos antes, contemplando com visão quase profética a hora de sua morte, Whitefield dissera: “Morrerei em silêncio. Foi do agrado de Deus habilitar-me a dar tantos testemunhos por Ele durante a minha vida, que não há de me exigir outro ao morrer”. E tal se deu literalmente. Ele dormiu essa noite até duas horas, então se despertou, atacado de asma. Ele sabia que chegara ao fim da jornada. Faltou-lhe a respiração, caiu de joelhos e, ofegante, tentava orar e faleceu assim. A sua cabeça se inclinara e as suas mãos se estenderam em súplicas, quando o último hálito lhe roçava os lábios.

A inteligência prática do inglês está disposta a depreciar o simples dom da palavra, e negar o título de grandeza a qualquer que não seja mais nada do que orador. É verdade que Whitefield não fundou Igreja alguma, e, em certo sentido, não deixou seguidores. E é certo que ele não acrescentou nenhuma província nova ao domínio do saber humano, nem abriu qualquer novo canal pelo qual as grandes forças religiosas permanentemente corressem. Mas não se pode negar-lhe a grandeza; pois, durante mais de trinta anos ele prendia maiores multidões por sua pregação do que qualquer outro orador conhecido na história religiosa; e o simples cálculo que ele pregou 18.000 sermões, um termo médio de mais de dez por semana – durante todo o seu ministério público, ainda dá uma apreciação mui inadequada da sua obra. A escala de seus auditórios, a paixão e o cumprimento de seus sermões – para nada dizer dos múltiplos afazeres que ocupavam os breves intervalos entre os seus discursos – todos devem ser considerados.

E os dons naturais de Whitefield, a voz profunda e melodiosa, a catadupa de palavras em movimento, os gestos dramáticos que grandes atores lhe invejavam, o poder, que constitui o dom supremo da oratória, de incutir nos vastos auditórios as mesmas emoções que agitavam a sua própria alma – todas estas causas, para ele eram simplesmente instrumentos e servos de forças ainda mais poderosas, forças que emanavam do domínio espiritual e proporcionavam à própria alma humana um novo padrão.

Às vezes se esquece que Whitefield fez na América uma obra, talvez maior, do que aquela que conseguiu fazer na Inglaterra. Do outro lado do Oceano Atlântico ele foi, em certo sentido, o herdeiro espiritual de Jonathas Edwards. O que se chama, na história religiosa dos Estados Unidos, “O Grande Despertamento”, havia-se quase passado quando Whitefield pisou em solo americano; mas a sua pregação renovou em nova escala aquela obra memorável. Ele lhe deu um escopo mais largo e um caráter mais nobre do que ela alcançara sob a direção de Jonathas Edwards. Nem na América nem na Inglaterra Whitefield fundou Igreja alguma que perpetuasse o seu nome; mas a vida religiosa, tanto da Inglaterra como da América, não seria exatamente a mesma hoje se George Whitefield, servente da estalagem de Gloucester, “o aluno pobre” do Colégio Pembroke, o pregador ao ar livre do século XVIII, nunca vivesse.

Sobre as cinzas de Whitefield acendeu-se de novo o fogo da grande controvérsia calvinista (doutrina que defendia a salvação unicamente pela eleição e escolha divinas), e ardeu com ainda mais energia do que no começo; talvez, pela razão que agora havia nela uma mulher! A mulher, quando se dedica à teologia, dedica-se, se não com mais sinceridade, ao menos com mais veemência, para não dizer mais malícia, do que os teólogos do sexo oposto. Ela segue a sua lógica com a maior persistência até as conclusões mais intrincadas; ela se mostra mais intensamente zelosa pela honra e influência do seu credo. E nesta época uma mulher estava fazendo no ramo calvinista do avivamento Metodista, aquilo que Whitefield recusara fazer, e, de fato, sabia que não poderia fazer. Ele disse: ”Eu só poderia tecer uma teia de Penélope, se eu formasse sociedades”. Ele não possuía dom algum pela organização e sem essa organização não pode haver uma obra permanente. Mas a Lady Huntingdon estava fazendo este trabalho, e estava fazendo-o com notável energia e êxito.

Era mulher notável; e, como diz Macaulay, se ela tivesse pertencido a Igreja Romana, teria sido ornada com o nimbo (auréola) de uma santa. Era filha do Marquês Ferrer e viúva do Marquês de Huntingdon, e a sua posição e riquezas lhe habilitavam fazer pelo avivamento aquilo que nenhum outro poderia. Fê-lo entrar em novos mundos. Deu-lhe prestígio social. Protegeu-o da perseguição. Ela convidou Whitefield à sua casa, nomeou-o um de seus capelães, e congregou auditórios da elite sob o seu próprio teto para escutá-lo. Entre outros vieram Chesterfield e Bolíngbroke, para ouvir o famoso pregador. Chesterfield ouviu-o com cortesia sorridente, tão imperturbado como se escutasse o trinar de um passarinho; mas Bolíngbroke – o extravagante e espirituoso amigo de Voltaire, político que servia a todos os partidos sem ser leal a qualquer um - foi notavelmente comovido com a pregação de Whitefield; convidou-o a visitá-lo e procurou conversar com ele sobre a religião. É de cismar que ele andava a procura dos prazeres de uma nova excitação.

Lady Huntingdon se entregava completamente aos ardores e ideais do grande movimento religioso; construía capelas em várias partes da Inglaterra que levavam o seu nome, e pela nomeação dos pregadores como seus capelães escapava à dificuldade que tanto incomodava a João Wesley, que não queria rotular-se a si e a seus auxiliares de “dissidentes”, e deste modo conseguir abrigo no Ato de Tolerância (lei que protegia os dissidentes da Igreja Oficial do Estado, a Anglicana), entretanto, as portas da Igreja Anglicana foram fechadas contra todos eles. Lady Huntingdon estabeleceu um grande seminário para seus capelães em Trevecca, no principado de GaIes. Benson, um dos auxiliares de Wesley, era professor clássico no colégio; e o piedoso Fletcher por algum tempo o designado sucessor de Wesley, era o diretor.

Lady Huntingdon era calvinista de tipo ainda mais resoluto do que o próprio Whitefield. Buckle, em sua “História de Civilização”, diz que o calvinismo é credo que possui um seIo de democracia, ao passo que o arminianismo (doutrina que acredita na salvação pela graça para todos que aceitarem tal salvação divina) é de gênio aristocrático; mas tal generalização inverte a verdade. O calvinismo, que cria uma aristocracia espiritual nos eleitos de Deus, limitando a estes a misericórdia de Deus, facilmente se recomenda a uma inteligência aristocrática como a da Lady Huntingdon. Southey tem o tino de enxergar este fato. Diz eIe: “Ela estava inconscientemente predisposta a favorecer uma doutrina que estabelece uma ordem privilegiada de almas.” Wesley e Whitefield, vivendo sob o domínio de grandes motivos, e tratando de grandes negócios, relutavam em meter-se a controvérsia. Nas suas sociedades Wesley tinha por política estabelecida, a de não fazer descriminação alguma entre calvinistas e arminianos. Os dois grandes camaradas registraram num documento formal a sua resolução, por amor da paz, “de evitarem a pregação sobre tópicos calvinistas tanto quanto lhes fosse possível”. Carlos Wesley – às vezes mais ladino (sagaz, astuto) do que seu irmão – mais tarde escreveu no documento as palavras: “Vão concerto!” (ou seja, que o acordo não daria certo). Mesmo entre homens como estes, a controvérsia era inevitável, achando-se separados por um tão profundo abismo teológico. Entretanto, a controvérsia entre eles, descrita em capítulo anterior, havia corrido seu termo, e estava praticamente extinta quando um incidente infeliz fê-la reviver.

João Wesley trabalhava perpetuamente para conservar a teologia do avivamento bem equilibrada. Tendia a extremos, e é fácil de compreender tal tendência. A teologia não era mais propriedade absoluta dos doutos; tinha se tornado o pão quotidiano dos plebeus. Ou, para variar a figura, a teologia tinha saído da atmosfera sonolenta das Universidades e das Igrejas, e andava em terra comum entre a multidão. Que ela às vezes se escorregasse, ou corresse risco de cair no barranco de um ou doutro lado, não é de se admirar. Tal é o perigo perpétuo de um movimento religioso que afeta poderosamente a grandes multidões. O que se pode chamar a doutrina redescoberta da santificação, ou “perfeição”, por exemplo, se prestou facilmente ao exagero. Não poucas vezes ela entrou em conflito com os rudimentos da moralidade. Fez um lapso para o antinomianismo (doutrina que defendia que somente a fé e não os atos, a única condição de salvação, o que possibilitava uma crença sem santificação ou amor ao próximo), e houve exemplos repugnantes deste perigo entre os próprios auxiliares de Wesley.

Na Conferência de 1771, o próprio Wesley tentou corrigir este mal. Citou exemplos, segundo as palavras de!e, “em que temos nos inclinado demais para o Calvinismo”, especialmente para aquele aspecto do Calvinismo que nega, ou que parece negar, ao homem qualquer parte (responsabilidade) na obra da sua salvação. Que a salvação pudesse se efetuar pelas obras fora negado com uma ênfase que, a certos ouvidos, parecia ser afirmação – a grata afirmação – que a salvação e as obras estivessem num conflito eterno entre si! A fim de repudiar esta loucura a Conferência adotou certas resoluções:

“Temos recebido como uma máxima que ”o homem nada faz para alcançar a justificação”. Não pode haver coisa mais falsa. Aquele que deseja alcançar o favor de Deus deve “deixar do mal, e aprender fazer o bem”. Aquele que se arrepende deve dar frutos dignos do seu arrependimento. E se isto não se faz a fim de achar favor, qual é a sua mira?

“Isto não importa “em salvação pelas obras?” Não pelos méritos das obras, mas por obras como condição. Que estamos a debater durante os trinta anos decorridos? Receio que seja somente acerca de palavras.

A respeito do próprio mérito, que tanto tememos, somos recompensados “segundo as nossas obras”, sim, “por causa das nossas obras”. Qual a diferença em dizer “por amor de nossas obras?” E qual a diferença de secundum merita operum, segundo merecerem as nossas obras? Podeis partir este fio de cabelo? Duvido, eu não posso. (Tyerman, IIl. pág. 73)

Estas declarações, contempladas por olhos modernos, são inofensivas; mas para Lady Huntingdon e os zelosos calvinistas a seu redor pareciam pouco menos do que blasfêmias. Constituíram, na visão deles, a própria negação do Evangelho! E João Wesley e todos os seus associados tornavam-lhes veementemente suspeitos; estavam traindo as doutrinas evangélicas. Lady Huntingdon resolveu purificar a Trevecca, o seu Colégio de preparatórios, do mau fermento. Todos no colégio que não denunciassem (rejeitassem) as resoluções da Conferência teriam de ser despedidos (descontinuado dos estudos como alunos ou do trabalho como professores). As resoluções foram empregadas como pedra de toque; cada estudante e professor tinham de escrever seu juízo sobre elas, e de repudiá-las sob pena de expulsão. Benson, o professor clássico, foi desta forma obrigado a resignar do seu posto.

Fletcher era então diretor do Colégio, um homem cuja santidade, unida a seus grandes dons espirituais, constrange o próprio Southey a uma admiração quase extática: “Um homem de raros talentos”, diz ele, “e de virtudes ainda mais raras. Nunca houve século ou país que jamais produzisse um homem de uma piedade mais fervorosa, ou de uma caridade mais perfeita; Igreja alguma jamais possuiu um ministro mais apostólico.”Mas como Fletcher não podia conservar-se na sua posição em Trevecca ao preço da reprovação de Wesley, ele resignou o seu cargo aí. Disse ele:
“Se todo o arminiano tem de deixar o colégio, então estou despedido desde já, pois eu não posso ceder (deixar de crer) a possibilidade da salvação para todos, mais do que eu posso abandonar a verdade e o amor de Deus!”

O próprio Wesley escreveu uma carta a Lady Huntingdon, discordando-se de qualquer interpretação errônea que se desse às resoluções. Ele conclui:
“Em suma, tal como sou, vos quero bem. Tendes um dos primeiros lugares na minha estima e afeto, e em outros tempos tivestes por mim alguma consideração. Mas isto não pode continuar, se depender de ver as causas através dos vossos olhos. Minha querida amiga, parece que ainda não aprendestes o significado das palavras que eu desejo ter sempre escritas sobre o meu coração: “Aquele que fizer a vontade de meu Pai que está nos céus, este é meu irmão, irmã e mãe” (Tyerman III. pág. 93)

Mas palavras suaves jamais aplacaram teólogos irados? Os calvinistas zangados não eram no mínimo satisfeitos e não contentes com a purificação da sua própria fortaleza, resolveram levar a guerra ao país inimigo. Haviam de assistir, incorporados, na próxima futura Conferência Metodista, e corrigir a deplorável teologia de Wesley na presença de seus próprios auxiliares! Publicou-se uma circular, assinada por Shirley, um dos capelães da Lady Huntingdon, e dirigida a todas as pessoas de influência, relacionadas com o avivamento, que se conheciam por calvinistas. A Conferência ia se realizar em Bristol, e a circular declarou que “a Lady Huntingdon e muitos outros cristãos, verdadeiros Protestantes”, tencionavam celebrar uma reunião em Bristol na mesma ocasião:
“E ainda se propõe que eles todos incorporados visitem a dita Conferência e insistam na rejeição formal da ação referida, e em caso de uma recusa, que assinem e publique o seu protesto contra os Conferencistas. E é submetido a vosso critério, se o julgardes justo, na oposição que se deve oferecer a tão temível heresia, que o recomendeis a tantos dos vossos amigos cristãos, dos Dissidentes (da igreja anglicana) bem como da Igreja Estabelecida (Anglicana), quantos puderdes conseguir que assistam, sendo a causa de uma natureza tão pública”. (Tyerman, pág. 94.)

Mas, insistir que Wesley, na presença de sua própria Conferência, repudiasse formalmente as verdades que, apenas um ano antes, tanto ele como a Conferência afirmara, era empreendimento bastante ousado. Exemplifica não tanto a coragem do Sr. Shirley e todo o corpo de capelães calvinistas da Lady Huntingdon, como a sua perda temporária do equilíbrio mental. Wesley continuou o seu caminho, a seu modo calmo, mas tez uma breve exposição das resoluções da Conferência de 1770, e com mão própria escreveu, num exemplar:
“Se os calvinistas não me entendem, nem querem me entender, eu me entendo a mim mesmo, e não contradigo cousa alguma que tenho escrito durante os trinta anos passados”.

A retração, de fato, começou do lado da Lady Huntingdon. O tempo e a reflexão lhe acalmaram a veemência. Na noite antes da Conferência ela escreveu a Wesley, confessando que a circular fora escrita com demais pressa. Shirley, cuja coragem também começara a evaporar-se, escreveu, pedindo perdão pela fraseologia ofensiva que ela continha. Não havia vinte pessoas que responderam a chamada da tal carta circular. Os cavalheiros que vieram lhe corrigir a teologia foram recebidos por Wesley na Conferência com a mais bela cortesia e bom humor. Ele odiava a controvérsia, e estava pronto a sacrificar tudo senão a verdade para escapá-la. Cinqüenta e três de seus pregadores subscreveram uma declaração que o próprio Shirley, ao pedido meio irônico de Wesley, preparou:
“Aqui declaramos solenemente, à vista de Deus, que não temos fé nem confiança alguma senão nos méritos do Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, pela justificação ou salvação, quer nesta vida, quer na morte, quer no dia do Juízo; e embora ninguém seja realmente crente cristão – e por conseguinte não pode ser salvo – que não faça boas obras, onde houver tempo e oportunidade, entretanto, as nossas obras não tem parte alguma em merecer ou comprar a nossa salvação desde o começo até o fim, quer inteiramente quer parcialmente."

Shirley, por sua vez, assinou uma declaração pública, dizendo que se enganara no sentido das resoluções. Mas, infelizmente, não se findou a controvérsia. Somente ficou transferida para o domínio da literatura. Fletcher escrevera uma apologia pelas resoluções contestadas pelos calvinistas, uma peça bem nobre, e encerrando um belo apelo pela lealdade fraternal uns pelos outros. Ele escreveu:
“Dos dois maiores e mais úteis ministros que jamais conheci, um já não existe mais. O outro, depois de trabalhos surpreendentes, ainda voa, com diligência incansável, através os três reinos, chamando os pecadores ao arrependimento. Embora se achando sob o peso de quase setenta anos e do cuidado de quase trinta mil almas, ele, ainda por seu zelo indomável e trabalhos incessantes, faz passarem vergonha todos os jovens ministros na Inglaterra. talvez em toda a Cristandade. Geralmente toca o clarim evangélico, e anda trinta quilômetros antes de muitos professores que desprezam os seus trabalhos terem se levantado dos macios travesseiros. Como ele começa o dia, a semana, o ano, assim os termina, ainda intento em serviços extensos para a glória do Redentor e para o bem das almas. E havemos de levantar, levianamente, as nossas penas (que eram usadas para escrever), línguas e mãos contra ele? Não; antes percam a sua perícia. Se temos de brigar não poderemos achar mais ninguém com quem questionarmos senão com o ministro que Deus mais honra?”

Shirley responde a Fletcher, o qual por sua vez publicou cinco cartas a Shirley, as primeiras de suas famosas “Restrições ao Antinomianismo”. Seguiu-se então a mais viva e exasperada tempestade de controvérsia teológica que jamais caiu sobre a literatura Inglesa. Os principais escritores do lado dos calvinistas eram Ricardo e Rowland Hill, Berridge de Everton, e Toplady, que se imortalizou por um único hino notável, “Rocha Eterna”. João Wesley pessoalmente, pouca cousa fez na controvérsia. Uma breve e mortífera contribuição deIe, deveras provocou muita irritação. Toplady publicara um “Tratado sobre a Predestinação Absoluta”. Wesley publicou uma curta análise, deste tratado, Com o sumário seguinte:
“Eis a conclusão de tudo: Um em vinte (suponhamos) da raça humana é eleito; dezenove em vinte são reprovados. O eleito será salvo, faça que quiser; os reprovados serão condenados, façam o que puderem. Que o leitor creia isto, ou seja, condenado. Por ser isto a verdade, o firmo com o próprio punho. - A. T.”

Ao ver a sua teologia condensada num espaço tão estreito, e concretizada em forma tão temível, e endossada com as próprias iniciais, Toplady encheu-se com uma ira quase demais profunda para achar expressão em palavras, e essa ira explica os tons ásperos com que ele ameaçava a todos.

A luta foi sustentada do lado arminiano não somente por Fletcher, de Madeley, mas por Thomas Olivers, um dos auxiliares de Wesley, que fora sapateiro, e como Toplady, era hinógrafo. A sua bem conhecida produção: “Ao Deus de Abraão Louvai”, alcança uma nota mais elevada e sublime – se bem que menos tocante – do que o hino imortal de Toplady.

Somente Fletcher, entre esses teólogos zangados, escreveu com o espírito de um santo e os modos de um cavalheiro; ao passo que se serviu de uma lógica que faz lembrar as ”Cartas Provinciais” de Pascal. Os outros polemistas perseguiram uns aos outros com os epítetos injuriosos através das inúmeras folhas da literatura; e Toplady, triste é o dizê-lo, possuiu a língua mais amarga de todos esses teólogos iracundos. “A Velha Raposa coberta de Alcatrão e Penas”, é o titulo de um de seus panfletos contra João Wesley. Mesmo para o espírito meigo e santo de Fletcher Toplady não empregava outra arma do que o chicote. Ele disse:
“Nas poucas páginas das cartas de Fletcher que ele havia lido, as passagens sérias eram duas vezes enfadonhas e as passagens levianas eram duas vezes impudentes (que não tem pudor, cínicas)!”

Há muito, a controvérsia morreu; mas o espírito em que foi dirigida constitui o escândalo perdurável da religião. Que pode haver de mais surpreendente do que o espetáculo de dois homens, profundamente religiosos? Um dos quais escrevera “Rocha Eterna”, hino que a Igreja de Cristo cantará até não precisar mais dos hinos deste mundo; e outro escrevera um dos melhores entre os cânticos sagrados, “Ao Deus de Abraão Louvai” - a maldizer um ao outro no espírito e linguagem de vendeiras (vendedoras) de peixe!

Mas é grata a lembrança que esta tempestade de paixão teológica passou logo. Fletcher, sempre santo e cavalheiro, estava praticamente moribundo. Achava-se prestes a deixar a Inglaterra para experimentar uma vez mais os ares da Suíça, seu pais nativo; e antes de partir ele convidou a todos os clérigos com os quais tivera controvérsia a um encontro, a fim de que,
“pondo de lado todas as diferenças, ele pudesse Ihes testemunhar o pesar sincero e sentido por ter Ihes dado o mínimo desgosto, e receber deles alguma prova condescendente de reconciliação e de boa vontade.”

Quase todos os combatentes exibiram, nas últimas fases de controvérsia, um espírito mais cristão. Rowland Hill suprimiu um de seus panfletos amargos, afim, dizia ele, ”de obstar o mal que poderia resultar da minha desajeitada interferência na obra de Deus.” Berridge recebeu a Fletcher, no seu presbitério, e ao transpor a porta lhe foi ao encontro com braços abertos e as faces banhadas de lágrimas, clamando: “Como poderíamos escrever de tal modo um a respeito do outro quando cada qual visava a mesma causa, a saber, a glória de Deus e o bem das almas?” Toplady, quase o único, permaneceu implacável.

Stevens, em sua volumosa – se bem que muito boa – “História do Metodismo”, diz que esta controvérsia resultou
“na fixação permanente do caráter da teologia Metodista; a ressurreição da crença que o Sínodo de Dort condenara; maior destaque para as doutrinas de Tiago Armínio e Grotio do que todos os seus campeões continentais haviam lhes conseguido; a promulgação do Arminianismo Evangélico por toda a Inglaterra, e por toda a parte do Novo Mundo Protestante, e em mais grau menos grau, ao redor do mundo todo; a modificação do tom teológico do Cristianismo Evangélico, talvez por todo o futuro”.

É esta uma afirmação desbragada (descomedida, indecorosa). A discussão calvinista de 1770 e dos anos seguintes era somente uma vibração da controvérsia primitiva entre Wesley e Whitefield, acontecida trinta anos antes. Sem dúvida, esta controvérsia era de importância na formação definida e articulada da doutrina do Metodismo sobre um ponto particular e muito debatido. Mas as fases primitivas da controvérsia eram de mais importância. Era um conflito entre os dois grandes líderes do Avivamento. A controvérsia entre eles movia-se em plano bem elevado, e tendo lugar na ocasião em que a teologia do Metodismo ainda se achava em condição plástica, de fato, determinara essa teologia por todo o tempo. A controvérsia de 1770 e dos anos seguintes era batalha entre homens menores. A única contribuição à literatura teológica que ele fez se acha nas famosas “Restrições", de Fletcher. E Fletcher não somente fez a única contribuição intelectual à controvérsia, mas acendeu entre a sua fumaça e pó a única chama do espírito cristão que ainda se pode descobrir nela.

Pode-se acrescentar que mais tarde, a própria Lady Huntingdon teve a mesma sorte com Wesley. As suas sociedades foram tocadas do seu lugar na Igreja Anglicana, na qual, ela por tanto tempo havia-lhes contido. Ela nunca idealizara converter os lugares de culto que construíra em capelas dissidentes. Ela nomeava pregadores como capelães pessoais; supondo que isto seria do seu direito como uma nobre do reino, e esta medida era interpretada como desobrigando tanto as capelas como os ministros do Ato de Tolerância. Mas em 1779 ela comprou um grande edifício no norte de Londres, chamado o Pantheon, e fê-lo centro de uma missão. O clérigo da paróquia em que o edifício estava situado, pretendia à direção do mesmo, e depois de uma demanda dispendiosa os capelães da Lady Huntingdon eram proibidos de oficiarem na nova capela; e descobriu-se que esta sentença afetava igualmente a todas as suas capelas. Lady Huntingdon se achou numa contingência cruel: ou ela teria de fechar as suas capelas ou teria de rotulá-las como lugares de culto dissidente. Escreveu:
“Sou obrigada a converter as mais belas congregações, não somente da Inglaterra, mas de qualquer parte do mundo, em casas de culto dissidente! Agora sou expulsa da Igreja, somente por aquilo que tenho estado fazendo por estes quarenta anos – falando e vivendo por Jesus Cristo.”

Os seus capelães eram também limitados à mesma escolha cruel, e, como resultado, o ramo calvinista partilhou da mesma sorte com a divisão arminiana do Avivamento. Foi forçado a empreender uma existência separada. E desta forma, “A Conexão de Lady Huntingdon” veio à existência, e ainda sobrevive, e mais uma vez a Igreja Anglicana justificou o seu título de “Igreja de oportunidades desprezadas” (como se a Igreja tivesse recebido uma visitação de Deus e a desprezado).

Lady Huntingdon tinha de seguir o exemplo de João Wesley em mais outro ponto. Os seus pregadores não podiam mais obter a ordenação dos bispos. Portanto, os sacramentos não podiam ser administrados; de modo que os seus capelães tinham de ordenar os seus sucessores, e ordenação, como diz Lorde Mansfield, uma vez mais importava em separação.

Lady Huntingdon faleceu em 1791, o mesmo ano que João Wesley. Ela morreu com oitenta e quatro anos. A sua enfermidade era de um caráter especialmente cruel e dolorosa, mas a sua morte constituiu um digno fecho para uma vida santa.

Pouco antes de morrer rompeu-se-lhe uma artéria, e, com os lábios ainda tintos de sangue, ela falou em voz baixa:
“Estou bem! Tudo está bem, bem para sempre. Só vejo a vitória. Está próxima a vinda do Senhor, está próxima a vinda do Senhor.”

Então, com o gesto de uma criança cansada, ergueu as mãos e disse: “Eu tenho saudades do lar. Oh! eu tenho saudades do lar.“

Um pouco antes de morrer ela disse – repetidas vezes às mesmas palavras – “Irei ter com meu Pai esta noite!”. E logo depois: “Ele jamais se esquecerá de ser gracioso. Haverá fim da sua misericórdia?”. Praticamente as suas últimas palavras foram: “O meu trabalho está feito; nada tenho que fazer senão ir ter com meu Pai.“

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** (Esse texto corresponde ao capítulo VIII, "A Ameaça de Cisma", do livro "Wesley e seu século – um estudo de forças espirituais, volume II", respectivamente nas páginas 90 a 103, edição de 1916 publicada pela Typographia de Carlos Echenique, Porto Alegre, RJ).

OBS: Esse livro originalmente não usa parênteses. As notas explicativas dentro de parênteses são de iniciativa dessa edição on line do site da Igreja Metodista de Vila Isabel.

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