IGREJA METODISTA EM VILA ISABEL
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Rio, 17/2/2010
 

A Personalidade de Joćo Wesley ** (Rev. W. H. Fitchett)

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Uma testa clara e lisa, nariz cumprido, um olhar o mais vivo e penetrante que se pode imaginar, e uma beleza de cor que raramente se encontra em pessoa de idade tão avançada, dando indicação da saúde perfeita. No seu semblante e trato havia uma alegria misturada com a seriedade; uma vivacidade que era o resultado de um espírito alegre. O seu aspecto, especialmente o seu perfil, possuía um caráter de força e penetração. Uma gravata estreita, trançada, um paletó com gola pequena e direita, não tinha fivelas aos joelhos nem havia seda ou veludo em qualquer parte do seu vestuário, com a cabeça branca como a neve, tudo dava idéia de algo notável e apostólico; com ares de nitidez e Iimpeza por todo o seu ser.

Eis a figura de João Wesley como visto por seus contemporâneos, e era o homem melhor conhecido nos três reinos (Inglaterra, Irlanda e Escócia) durante a última metade do século XVIII. Entretanto nesta pequena figura compacta e alerta, com os ares de nitidez solteirônica (de pessoa idosa que ainda não se casou, solitário), como se vê pela história que já citamos – havia uma intensidade de calma, energia que tem sido raramente igualada em qualquer geração. Em escopo, pela ligeireza, intensidade e efetividade Wesley há de permanecer sempre um dos maiores trabalhadores conhecidos na história humana. Parecia levar muitas vidas a um tempo, e cada uma dessas vidas parecia possuir uma plenitude surpreendente. Ele pregou mais sermões, viajou mais milhas, publicou mais livros, escreveu mais cartas, construiu mais igrejas, travou mais controvérsias, e influiu em mais vidas do que qualquer outro homem na história Inglesa. E em tudo isto, como ele diz num paradoxo humorístico: “Não teve tempo para apressar-se”.

Lorde Roseberry descreve a Cromwell como “sendo um místico prático, a combinação mais temível e formidável de todas”. E João Wesley era exatamente aquela “combinação mais temível e formidável de todas”: um místico prático. A sua vida se emocionava com as forças que lhe vieram dos domínios espirituais; entretanto conservou os pés sobre a terra firme e possuiu a mais acurada visão dos fatos da terra. Ele sabia como trazer para o serviço de ideais longínquos e invisíveis o bom senso prático, o conhecimento de homens, a faculdade de ajustar os meios para os fins, de escolher os instrumentos idôneos e de formar os métodos efetivos que são os característicos do grande soldado (obreiro) ou do bom capitão de indústria (líder empreendedor). E é desta combinação do espiritual com o prático, de meios que pertencem à ordem espiritual com métodos que são efetivos no domínio terrestre; este casamento de qualidades dissimilares – de gelo e fogo, de calma e intensidade, de serenidade e de energia – onde se encontra o segredo do poder de Wesley.

Nunca houve homem que se movia com mais ligeireza, e ninguém jamais teve menos pressa do que ele. Havia algo da ligeireza regular e inexorável do planeta nele e também algo do seu impacto esmagador. Entretanto um aspecto de repouso majestoso – do repouso nascido de problemas resolvidos, e de vitórias atingidas – lhe assistia. Existem certas qualidades de caráter que atraem outros homens a seu possuidor como a lua atrai a maré, e Ihes movimentam, qual a floresta pelo vento. Aquele que possui estas qualidades é, pelos dons da natureza inevitavelmente, um líder de homens. E Wesley possuiu exatamente estas qualidades. Mas as possuía não tanto por uma dotação natural como por uma criação espiritual. Ele levou consigo sempre – depois da sua conversão – uma certa serenidade de coragem, em cuja presença o medo se envergonhava; uma certa ligeireza de vontade, e força de resolução imóvel uma vez que a consciência tivesse falado e o dever lhe aparecesse claramente, que fez as multidões, com o instinto de multidões por um líder real, seguirem-no sem hesitação alguma.

Wesley possuía ideais que eram além da visão de homens em geral, mas para ele eram absolutamente claros. Ele caminhava com passos certos; falava como sabendo. Era absolutamente destituído de egoísmo. Assim tornou-se, para aqueles a seu redor, em certo sentido, a incorporação da consciência. Aqui havia pelo menos uma alma humana entregue inteiramente às causas divinas; um espírito humano em que a religião havia cumprido todos os seus ofícios. E com toda a sua alegria radiante havia algo da atitude inconsciente dos cumes alpinos em seu aspecto; um ar remoto – como se sentisse uma brisa mais pura – em referência aos negócios e desejos dos homens em geral. O seu rosto constituiu-se em repreensão a todas as cousas baixas. Quando entrava numa cidade, as multidões o rodearam nas ruas; a sua figura pequena, compacta e reta talvez se achava trepada sobre uma mesa trazida de uma casa próxima. O olhar, a fala, a atmosfera que ele trouxera consigo, o seu acento tanto de certeza como de autoridade, os ideais com os quais ele provava a si mesmo e aos outros, a perspectiva em que ele contemplava as causas, e fazia que outros as vissem – era, pelo momento, como se um mensageiro pertencente a outra ordem espiritual estivesse entre os homens! Então prosseguiu o seu caminho, e os homens sentiam como se algum ser espiritual tivesse lhes deixado. O contacto com ele constituía uma educação espiritual.



Entretanto nada havia da distância fria de uma austeridade monástica (própria da disciplina dos monges que vivem em mosteiros) em Wesley. Pelo menos, depois de sua conversão, seria difícil imaginar um homem menos frade do que ele. Uma espécie de radiância (fulgurância, brilho interno) perpétua brilhava neIe, e dele emanava. Alexandre Knox, que conheceu bem a Wesley e o julgou deliberadamente, salienta com grande admiração a sua radiante alegria. Diz ele: “As minhas relações com ele têm feito mais em ensinar o que significa o céu na terra pela madureza da piedade cristã do que tudo que tenho visto ou lido em outra parte”. As suas feições e conversas deram expressão a uma alegria habitual de coração. O próprio Wesley declarou que “nunca sentira o desânimo por um quarto de hora (quinze minutos) na sua vida”. Dez mil cuidados não lhe pesaram mais o espírito do que os dez mil cabelos lhe pesavam a cabeça.

Talvez ao escrever aquelas palavras – palavras calculadas para encher os homens em geral com uma “inveja’, com admiração – a memória de Wesley estivesse tingida com a alegria do momento. Pois, ele conheceu momentos de depressão, e estes se refletem freqüentemente no seu Diário. Mas estas narrações somente salientam o aspecto humano de Wesley, pois, provam que ele também tinha algo da enfermidade humana. É o característico dele que em cada caso ele se cura com a loção de trabalhos árduos.

Wesley, segundo Hampson – que como Knox não era crítico por demais amigo – teve talentos de boa camaradagem! Walsh, o santo Irlandês, entre os auxiliares de Wesley – uma combinação de místico e gênio – descobriu humor demais nas conversas de Wesley, e queixou-se-Ihe que, entre os três ou quatro homens que lhe tentavam à leviandade, “vós, sois um deles, por vossos provérbios espirituosos”. Mas, talvez, Walsh descobriu humor em Wesley porque ele mesmo não o tinha em grau algum.

Mas que Wesley possuía, no mais alto grau, o dom de conversa sábia, clara e penetrante, não se pode duvidar. Ele podia ter discutido a crítica com Pope, a política com Swift, a literatura com o Dr. Johnson, ou a filosofia com Berkeley, em pé de igualdade – se não fosse uma só circunstancia: tinha de tratar de causas melhores! O próprio Dr Johnson, um glutão de palestras, queixou-se a Patrícia Wesley, do seu irmão: “Não gosto de encontrar-me com João Wesley; pois, o tratante me encanta com a sua conversa e então de repente me abandona para ir visitar uma pessoa idosa qualquer”.

Mas para Wesley, ”a velha” representava um importante dever. Ela tinha um espírito imortal, tão precioso aos olhos de Deus como o do próprio Dr. Johnson. Se Cristo a contava de bastante valor para morrer por ela, então segundo lhe dizia a consciência, Wesley, bem poderia dar-lhe suficiente valor para sacrificar a comodidade a fim de ir confortá-la. Wesley costumava dizer: “Acho tempo para visitar os doentes e os pobres, e isto eu tenho de fazer se creio na Bíblia. São estes os sinais pelos quais o grande Pastor conhecerá a suas ovelhas”.

Numa ocasião, quando tentado a demorar-se na contemplação de uma paisagem lindíssima, Wesley exclamou: “Creio que existe uma eternidade, tenho de levantar-me e sair daqui” e aquelas palavras exprimem a têmpera de sua vida. Ele vivia no espírito das fortes linhas de André Marvel:
"Ever at my baek I hear
Time's winged charíots hurrying near” .

Ou seja:
“Sempre às costas ouço as aladas carruagens do tempo que pressurosas se aproximam”.

E Dr. Johnson queixou-se, que isto, “muito incomoda a quem gosta de cruzar as pernas e palestrar à vontade como eu quero”.

Não obstante tudo isso, não havia nada do asceta em Wesley. Ele não entendia as crianças, como se vê de sua experiência em Kingswood, mas amava e possuía a arte de ganhar o seu amor. E ele imprimiu essas qualidades sobre os seus auxiliares. “Gastai uma hora cada semana com as crianças de todas as cidades – era a sua regra para os auxiliares – se quiserdes ou não. Falai com elas cada vez que vos encontrardes com elas em suas casas. Orai sinceramente por elas.”

Também Wesley não entendeu as mulheres, como os seus namoros abundantes mostram. Mas não havia outro homem na Inglaterra do seu tempo que tinha tantas amizades com mulheres nobres e santas como ele.

As limitações de João Wesley nasceram de suas virtudes. A sua vida era governada por um método inexorável. Isto, em relação a seu corpo, fê-lo o mais resistente pedaço de carne e sangue humano (corpo resistente, pessoa com saúde) que nesses tempos pisava o solo Inglês. Em referência ao seu trabalho, habilitou-o a tratar de um volume de negócios que o constitui uma repreensão e desespero (um modelo, uma referência) para todos os outros trabalhadores. Existe algo quase divertido na disciplina exigente que ele deu a seu próprio corpo, até que seus apetites se tornaram nos servos mais obedientes que se sujeitaram à vontade humana. Ele fez, como diz o seu irmão Samuel, quase um pecado da abstinência.

O método que empregou para determinar quanto sono seria necessário para conservar o seu corpo em serviço efetivo é bem interessante. Ele conta a história do modo seguinte:
“Se alguém deseja saber exatamente quanto sono o seu corpo exige, pode-se fazer facilmente a experiência que eu fiz há cerca de cinqüenta anos. Eu então me acordava acerca de meia noite ou uma hora, e ficava acordado por algum tempo. Logo conclui que isto se dava por eu estar de cama mais tempo do que a natureza exigia. Para satisfazer-me disso, eu procurei um despertador, que me acordasse às sete horas (cerca de uma hora mais cedo do que o dia anterior), entretanto ainda acordei-me durante a noite. No segundo dia levantei me às seis; mas não obstante, ainda acordei durante a segunda noite. No terceiro dia levantei-me às cinco; mas ainda acordei-me durante a noite seguinte. No quarto dia levantei-me às quatro, como, pela graça de Deus, tenho feito sempre desde então. E não me acordava mais durante a noite. E agora não fico acordado, tomando um ano com outro, mais de uma quarta de hora durante um mês. Pela mesma experiência, levantando-se um pouco mais cedo cada dia, qualquer um pode acertar com o quanto de sono é necessário para ele".

Numa palavra, nunca houve uma alma humana que conseguia mais do corpo que habitava do que João Wesley conseguiu do seu. O seu método a respeito de sono e alimentação estendeu-se a tudo mais. Um de seus biógrafos diz que ele não desperdiçava sequer uma folha de papel. Os seus minutos foram medidos como o cuidadoso farmacêutico pesa os remédios, e dedicados – como por escrúpulos e oitavas – a vários deveres. Tinha hora fixa para cada cousa, e não permitiu que visitas, conversas, ou prazeres lhe desviassem na mínima cousa da ordem inflexível de sua vida. Escrevia, viajava, e visitava os doentes, e fazia tudo em horas certas; e essas horas eram invioláveis.

Mas a resolução férrea com que Wesley marcava a utilização de cada faculdade, o cumprimento de cada dever, o emprego de cada momento de tempo, tinha a sua desvantagem. Fê-lo, em certo sentido, uma máquina. Não lhe dava tempo para amizades. A vida doméstica em tais circunstâncias inexoráveis tornou-se impossível. A sua esposa possuía o dom de fazer infelizes tanto a ela mesma como os ao seu redor, e quaisquer que fossem as circunstâncias teria se feito infeliz. Mas como marido, Wesley bem poderia ter taxado a paciência de qualquer esposa. Forçosamente teria se achado limitada a um pequeno comportamento entre as múltiplas fases da vida do seu marido; e mesmo uma mulher de temperamento generoso e altruísta bem poderia achar a experiência heróica demais.

Naturalmente seria erro pensar que Wesley fosse, de algum modo milagroso, exemplo de todos os incômodos de saúde. Ele sofreu de gota hereditária, doença de que faleceu a sua mãe. Em 1764 sujeitou-se a uma grave operação cirúrgica; em 1789 tinha um ataque de diabetes. O fio de seu trabalho foi interrompido repetidas vezes por doenças. Realmente possuía suficientes indicações de fraquezas físicas pra justificar um homem de espírito menos heróico em ajustar-se a uma condição de indolência tolerante.

Alem de seu Diário, Wesley teve um pequeno livro de apontamentos que levava consigo continuamente, no qual notava abreviadamente a hora que levantava, o que lia e escrevia antes do almoço, e o emprego exato na cada momento do dia. Na primeira página de cada um desses livrinhos ele sempre escrevia as seguintes sentenças: “Estou resolvido, Deo juvante, a: 1) Dar uma hora tanto de manhã como de tarde à oração particular, não permitindo qualquer desculpa ou protelação; 2) Conversar kata Theon, nenhuma leviandade, nem eutrapelia”. Como Wesley, com tão grande volume de trabalhos, reclamando a sua atenção durante as suas horas acordadas, poderia dar uma hora de manhã e outra de tarde à oração particular é quase inaceitável (inacreditável); mas ele o fazia, e todas as mais horas do dia tomavam calma, serenidade e força daquelas duas horas consagradas que lhes serviam de limites. Mas a frase, “não permitindo qualquer desculpa ou protelação”, é característica de Wesley. Todos os seus propósitos possuíam aquela nota de resolução suprema. Tudo mais tinha de ceder diante deles. Os seus próprios planos eram para ele categoricamente imperativos.

Também, poucos homens têm sido mais sistematicamente liberais do que João Wesley. Ele vivia com a mais rígida frugalidade (pessoa parcimoniosa, econômica, disciplinada) quanto a ele mesmo, e dava tudo que sobrava de seus rendimentos. Ele conta a história: “Quando recebia 30 libras por ano, vivia de 28 libras, e dava 2 libras. No ano seguinte recebendo 60 libras, ele ainda vivia de 28 libras, e dava 32 libras. No terceiro ano recebia 90 libras e dava 62 libras. No quarto ano recebia 120 libras, vivia ainda de 28 libras e dava aos pobres 92 libras”. Mas Hampson diz, com certo grau de verdade, que “a sua caridade parecia mais como resultado do seu senso de dever do que de qualquer ternura de sua natureza”.

Sem dúvida a pregação de Wesley sofria dos hábitos demasiados cheios de sua vida. Ela dizia que pregava três ou quatro vezes por dia sem dificuldade, e agia sobre este princípio – com o resultado que freqüentemente pregava sem preparo suficiente, e com menos efeito do que poderia ter logrado. Hampson diz que quando ele se dava o tempo suficiente para o estudo tinha êxito, e quando não tomava esse tempo freqüentemente fazia fracasso. “Era às vezes cacete (enfadonho) e insípido. Muitas vezes comparecia no púlpito completamente exausto com o trabalho e falto de descanso, mas onde quer que estivesse fazia questão em pregar, se era lhe possível ficar de pé”. Hampson acrescenta que quando Wesley “começava a contar anedotas e histórias” o seu sermão tornava-se em fracasso. Aquilo que serve de recurso para os homens em geral era para Wesley uma fatalidade! Diz ele: “Nunca ouvimos dele um sermão tolerável quando tentava contar sequer uma historia”.

Também o trabalho literário de Wesley sofria semelhantemente da pressa e da falta de preparo. Era leitor infatigável e onívoro (que lia todo tipo de livro), e lia sob condições, que outros homens teriam julgado como impossíveis. Era ruim cavaleiro, quase tão ruim como Napoleão; ainda que não precisasse de escada, como Napoleão, para montar a cavalo. Wesley a cavalo era o vulto melhor conhecido em todas as estradas dos três reinos (Inglaterra, Irlanda e Escócia) daquele tempo. Era a figura de homem apressado; grandes obrigações desempenhadas atrás dele, e grandes deveres ainda lhe chamavam adiante. E entre os deveres cumpridos e os deveres que ainda lhe chamavam, ele prosseguia, livro em mão, lendo de caminho. Com as rédeas soltas sobre o pescoço do cavalo, e com as mãos segurando num volume em que fitava os olhos, viajava cinqüenta ou sessenta milhas por dia. E deste modo andava quatro mil milhas por ano, e fazia isto durante o período de meio século. Durante aqueles cinqüenta anos pregou quarenta mil vezes a auditórios de toda a sorte, e sob condições de toda a espécie. Talvez não havia outro homem na história, senão Whitefield, que fosse tão familiar com as feições de uma multidão, ou que gastasse tanto tempo entre as multidões, ou que entendesse tão bem os seus sentimentos. Mas foi João Wesley que converteu os arreios e o caminho aberto, e os horizontes inconstantes de Inglaterra num gabinete de estudos.

Mas a sua leitura inevitavelmente possuía o vício de celeridade. Produziu juízos ligeiros e apressados, nascidos de conhecimentos imperfeitos. Quando Wesley apeava ao fim do dia, ou à noite depois se despedir dos últimos de seus ouvintes, ele registrava no seu Diário, em curiosa taquigrafia, todos os juízos e recordações do dia. Assim o seu Diário está cheio da mais curiosa obiter dicta; juízos a respeito de homens, acontecimentos e livros; sentenças que representam, não largo conhecimento e reflexão, mas somente o impulso momentâneo de seus sentimentos, ou de suas prevenções, nascidos do ligeiro e ininterrupto olhar sobre as páginas de um livro enquanto troteava por algum caminho rural.

Grande parte do trabalho literário de Wesley feito sob tais condições mostra sinais de cuidado inadequado. Nunca era escrito com folga. Ele repugnava os esforços pelo estilo. Dizer o que queria com o menor dispêndio de palavras, e com as sentenças mais curtas, era seu ideal. Na literatura como na matemática, uma linha reta é a distância mais curta entre dois pontos. Pelo menos, Wesley nunca pensou em curvas, e nunca escreveu em espirais. Mas muitos de seus escritos são prejudicados pela pressa.

Deve-se lembrar, também, que os seus livros, quando não acidentes de controvérsias, eram escritos para os seus próprios seguidores – uma multidão grande, dócil, mas inculta, que tinham para Wesley uma reverência filial e surda, e para os quais Wesley tinha a solicitude protetora de um pai. Ele desejava colocar ao alcance dos seus seguidores toda a literatura; e para fazer isto, era necessário traduzi-la à linguagem deles. Assim ele estava sempre abreviando, resumindo e publicando livros para seu povo. Mas os seus métodos eram apressados. Segundo Hampson, “ele passava revista num autor qualquer e cortava com a pena as passagens que não lhe agradavam, e isto fazia com tão pouca reflexão que freqüentemente deixava sentença inteiramente contrárias a seus próprios princípios”. Realmente Wesley lia e escrevia com tão heróica economia de tempo que às vezes não somente esquecia-se daquilo que lera e escrevera, mas daquilo que recomendara! Foi devido a isto o único escândalo literário que lhe sucedeu, isto é a reprodução do panfleto do Dr. Johnson sobre a Revolução Americana.

Wesley era de uma franqueza temerária. Nem sempre sabia guardar os segredos de outra gente, e nunca soube guardar os que lhe eram próprios. Para um que queixou-se a Carlos Wesley contra a falta de reserva do seu irmão, Carlos disse: “Esperais que ele guarde seus próprios segredos? Deixa-me segredar-vos aos ouvidos: ele nunca podia fazer isto desde o dia de seu nascimento! É um dom que Deus não lhe deu.” Em outra ocasião, Carlos disse com acentos de aborrecimento: “Meu irmão, creio eu, nasceu para o benefício dos velhacos”.

João Wesley possuía o mais belo espírito possível: perdoava com facilidade, generosidade e inteireza e talvez com demasiada freqüência! Quando despertado, era homem da mais viva penetração, com uma língua que mordia como chicote, e cortava como espada de dois gumes. Entretanto havia no seu caráter um fio da mais simples generosidade, que o fazia muito ingênuo! O seu meigo espírito às vezes permitia que homens de menos dignidade tivessem lugares a seu redor que não mereciam. Hampson diz que “ele não tinha relações que possuíssem a natureza de amizades”, mas isto não é a verdade. Não raras vezes ele se apegava com extremada fidelidade a seus amigos. E era inevitável que ao redor de uma figura tão forte e meiga, com um caráter de tantos encantos e poder, se ajuntassem notáveis multidões. Os sinceros desejavam um líder; os fracos queriam um esteio, os tímidos desejavam a infecção de sua coragem, os egoístas desejavam aproveitar a sua influência. E Wesley não possuía a visão crítica de seu irmão Carlos. Ele escolheu nobremente os seus maiores camaradas Fletcher, Coke e muitos outros; mas tolerava muitos a seu redor menos nobres do que estes, e o seu irmão Carlos era bastante astuto para contemplar estes com desprazer. Ele perguntou a certo homem: “És tu um dos prediletos do meu irmão?”. Sendo respondido, que “não era”, Carlos disse secamente: “Não vos quero menos por isso”. Carlos uma vez se queixava ao irmão: “Não vale a pena dizer-vos nada; pois a quem vós tivésseis amado uma vez continuareis a amá-lo venha o que vier”.

Mas repetimos que esta linda generosidade por parte de Wesley acarretava o seu perigo. Rodearam-no em seus últimos dias uns grupos de seguidores que era quase demais submisso. Refletiam todos os seus hábitos. Copiavam-lhe os gestos, as vestes, os acentos, as prevenções. “Se ele abandonava o chá, como fez em 1742”, diz Hampson, eles faziam o mesmo. Se ele se deitava sobre tábuas duras, ou alimentava-se de vegetais, eles também o faziam; e porque ele gostava de pregar à madrugada, eles observavam esta prática às cinco da manhã, quer no inverno quer no verão, embora, freqüentemente não pudessem congregar uma dúzia de ouvintes. Alguns lhe imitavam a letra, e tão exatamente lhe copiaram o estilo e jeito no falar, que a diferença era quase inapreciável.”

É manifesto que tudo isto fortalece a nota magistral do caráter de João Wesley. Em seus últimos dias se tornou menos paciente de oposição, e menos tolerante de todos os juízos que contrariassem os seus. Era relutante em ouvir razões que visavam à mudança de um propósito sobre o qual ele formara juízo. O Hampson diz que, “quando se propunha qualquer projeto que ele não aprovava, ou quando se fazia qualquer esforço para debater as suas doutrinas prediletas, ele costumava contar uma história ou anunciar um hino para pôr termo à conversa”. Os homens de vontade própria e de juízos independentes vieram a repugnar este procedimento; e assim nos últimos anos Wesley se estreitava mais com aqueles que lhe ofereciam menos resistência a suas opiniões e planos.

Coleridge nega a João Wesley uma mentalidade filosófica; Isaac Taylor diz que ele não tinha vestígio algum de gênio intuitivo; possuía unicamente a inteligência lógica, etc. Não é fácil decifrar este enigma de frases. Não era do trabalho de João Wesley desenvolver reflexões filosóficas, nem escrever volumosas preleções abstratas. Habitava num mundo real; tratava com homens e mulheres, possuídos das paixões e das tristezas humanas, e embaraçados com os problemas da alma humana. Fez o trabalho do pregador, do administrador e do estadista. Todas as suas energias estavam em íntima relação com os fatos constantes da vida humana. E não se deve buscar os frutos de sua vida numa biblioteca, nem medi-los pela página impressa. Acham-se na história. A sua documentação imperecível é a vida humana.

Que ele possuía algo do gênio criador se vê pelas grandes Igrejas vivas que trazem o seu nome no dia de hoje. O renascimento da religião cristã na história Inglesa é diretamente relacionado com João Wesley. E onde está o monumento erguido a qualquer estadista, soldado, poeta, inventor, ou pioneiro que se pode comparar com semelhante memorial!
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** (Esse texto corresponde ao capítulo XIV, "A personalidade de Wesley", do livro "Wesley e seu século – um estudo de forças espirituais, Volume II", respectivamente nas páginas 168 a 180, edição de 1916 publicada pela Typographia de Carlos Echenique, Porto Alegre, RJ).

OBS: As notas explicativas dentro de parênteses são de iniciativa dessa edição on line do site da Igreja Metodista de Vila Isabel.

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