IGREJA METODISTA EM VILA ISABEL
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Rio, 29/10/2010
 

Conflito institucional - Por que Unimep e a Igreja Metodista não se entendem?

Elias Boaventura


 

Outubro/2010

Neste texto, que proponho examinar o conflito existente entre a UNIMEP e Igreja Metodista, trabalho com duas hipóteses: a primeira é que o conflito entre universidade-igreja sempre se dá pela diferença de natureza e objetivos entre as duas instituições.

A universidade é o templo da dúvida, da incerteza, da busca constante de apreensão da realidade, vivência da angústia e da instabilidade. Na universidade o comum é a instabilidade, o desconforto por se considerar saber menos e a constante busca por um crescimento intelectual sempre incompleto.

A Igreja é o templo da certeza, do conhecimento completo pelo saber revelado. Na Igreja se busca a consolação, o colo e a segurança. Tem me parecido que tão danoso quanto a Igreja que duvida é a universidade que crê.
Também neste texto meu objetivo bem localizado é examinar e tentar entender as razões da tensão e do conflito presentes entre a Igreja Mantenedora e a UNIMEP, principalmente nas três décadas iniciais de sua existência.

É minha segunda hipótese que este conflito não pode ser atribuído tão somente à incapacidade dos gestores das duas instituições ou da deliberada intransigência da Igreja Mantenedora.

Além do fato de que Igreja e Universidade historicamente, sempre se mantiveram em conflito, embora sejam simultaneamente complementares e opostas no ato de educar, as relações Igreja Metodista, enquanto Mantenedora e UNIMEP possuem especificidade que merece atenção.

Parece-me, e isto é o que quero examinar, que o conflito entre elas é estrutural, se dá em princípio pela diferença de expectativas, tanto de uma como de outra em relação ao projeto educacional que representam.

Quero estudar este fenômeno por meio da História das duas Instituições a partir da década de 1960, ocasião em que o problema se agravou, tendo em vista a criação das primeiras Faculdades em Piracicaba. Procurarei fazer isto com base em autores que se preocuparam com o assunto, como também examinando alguns poucos documentos disponíveis e consulta ao Expositor Cristão, órgão oficial da Igreja Metodista.

Buscarei uma aproximação com a História, vista como processo de produção dinâmico, sempre em movimento e mudanças ocorridas por força advinda do processo de produção e da procura de superação das contradições.

Penso tratar de artigo relevante como uma contribuição que pode ampliar a compreensão do processo e facilitar o entendimento entre os dirigentes das instituições em questão.

Quem se der ao trabalho de examinar detidamente a relação Igreja Metodista – UNIMEP, concluirá, sem dúvida alguma, que se trata de algo permanentemente tenso, que pode ser definido como um processo dominado pela existência de sério conflito desde a origem da Universidade até os dias atuais.

Este conflito não pode ser reduzido às questões ideológicas, embora elas se façam presentes e exerçam influência significativa. Também seria reduzi-lo considerar que se trata de uma deliberada intransigência metodista ou da incompetência dos gestores da universidade.

É minha intenção ver o conflito na História das duas instituições, História que a rigor não aparece como criação deliberada delas, nem tem uma vontade forte linear, determinante dos comportamentos.

Em primeiro lugar procuro examinar o ideal de universidade presente no intencional metodista brasileiro, desde o fim do século XIX e também na primeira metade do século XX.

Vejamos alguns registros no Expositor Cristão, órgão oficial da Igreja Mantenedora.

Quero considerar a hipótese de que o projeto metodista de universidade em seu início, claramente se aproxima do modelo inglês de universidade, chamado universidade liberal ou do espírito, cuja preocupação maior se centra mais no ensino e na formação integral do aluno do que na pesquisa. Uma orientação dada em 1905 pelos missionários esclarece bem o que eles pensavam sobre o papel da universidade:
Qual é o fim destas escolas? Que atmosfera devem ter? A do livre pensamento da Universidade?(...) Nossas escolas, pois, não terão atmosfera de livre pensamento, essa pertence a outros estabelecimentos. Não andamos perguntando: o que é a verdade. Julgamos saber a verdade, em parte ao menos. (Livro de Atas Diretoria do Instituto Granbery, 1905)

Para os missionários a Universidade não deve ter a atmosfera de livre pensamento, nem precisa da pesquisa porque ela já tem a verdade, que viria pela revelação.

A primeira tentativa de implantação deste modelo em Juiz de Fora fracassou, entre outras razões porque naquela cidade já se deslumbrava a possibilidade de uma universidade napoleônica, voltada para os interesses do Estado e da formação profissional, mas quando se fez a retomada do assunto nas décadas de 1940 e 1950, já no Estado de São Paulo, para onde se deslocou o eixo econômico, a ênfase a necessidade de uma universidade do espírito permanecia e continuava a grande preocupação com a formação do ser humano, como se pode perceber em algumas declarações da época.

A verdadeira missão de uma instituição de ensino superior é preparar personalidades, com elevado propósito moral.

A premissa básica nesse proceder era claramente que o fim primordial da atividade a que chamamos educação é o homem equipado moralmente para enfrentar e interpretar a vida e os seus problemas do ponto de vista Evangélico. (Expositor Cristão, setembro, 1946).

Começa a ocorrer na Igreja Metodista, após este período, um empobrecimento da visão de universidade, dominada por um sectarismo religioso que quer reduzir a instituição ao papel de paróquia, braço estendido da Igreja.

Atentemos para textos do Expositor Cristão que tratam do tema:
Queremos uma Universidade essencialmente cristã, com todos os professores e funcionários evangélicos, que primem pelo seu viver, de modo a serem exemplos vivos do poder do Evangelho, e mais pelo exemplo que por outro qualquer motivo deixem sulcos indeléveis nas personalidades dos futuros guias dos destinos de nossa Pátria. (Expositor Cristão, 18/10/1945, p. 2)

Assim, em ambiente saturado de idealismo cristão, feito de professores e alunos inflexivelmente religiosos, onde, através do ensino e do estudo, da palavra e do exemplo, mais se porfie por uma preparação para servir do que para conquistar nome ou ganhar dinheiro;.... (Expositor Cristão de 15/11/1945, p.4).

O leitor pode perceber a ênfase a “preparar personalidades com elevado propósito moral”, muito além da simples formação profissional e também à formação do homem evangélico capaz de viver e interpretar o verdadeiro sentido da vida, isto é, preparar para viver, o que só seria possível se todos os professores fossem evangélicos.

Este modelo de universidade paroquial sectária para a Igreja Metodista persistiu até a década de 1960, período em que em Piracicaba se criou o embrião deste sonho em um processo muito mais amplo e diferente. Já nessas primeiras iniciativas percebemos a tendência para o conflito, que deste tempo em diante se iria ampliar, visto que as faculdades criadas já vinham com aspiração própria, que se destacavam da proposta da Igreja Mantenedora.

Mas o conflito realmente começa a se tornar claro com as providências para a implantação de um estabelecimento superior, mais tarde universidade, já profissionalizante, pragmática muito mais preocupada com a preparação da força de trabalho do que com a “formação de personalidades”, modelo estimulado pelo Estado militarizado.

João Reis se referiu a este modelo de universidade com a seguinte afirmação:
No plano administrativo, foi uma instituição centralizada e autoritária, com sua estrutura e organização de conformidade com a Lei 5540/68. No plano educativo, assumiu todos os valores do tecnicismo, essencialmente, seus valores econômicos, em detrimento dos valores pedagógicos.
(p.182)

As primeiras e efetivas providências para a implantação de uma universidade começam com o afastamento do então Diretor Rev. Chrysantho César, pastor muito querido e respeitado pela Igreja Metodista e também pela comunidade Piracicabana. Diz Cecílio Elias Neto, referindo-se a ele.

Sua obsessão era cumprir o objetivo de construir, de inovar, de criar, consolidando o anteriormente combalido IEP. Eram Chrysantho César e Benedito de Paula Bittencourt, basicamente educadores, com sólida formação religiosa, homens da Igreja Metodista, compenetrados de uma missão educadora conforme as linhas evangélicas, ... (ELIAS NETO, p.76, 1994)

Não se tratava, ainda, da idéia concreta de uma Universidade – pois a Igreja Metodista, como um todo, tinha receios de uma iniciativa de tal porte, “mesmo porque os acontecimentos políticos do país e o envolvimento do Mackenzie em manifestações políticas não favoreciam tais pretensões – mas a de faculdades reunidas, iniciativa que o governo federal vinha estimulando”. (p.77)

Também a fala do orador da primeira turma da ECA, referindo-se a Chrysantho César, confirma este dado:
este homem que, no momento em que todos não acreditavam, teve a ousadia de acreditar; no momento em que todos se desesperançavam, teve a audácia de esperar; no momento em que todos desconfiavam, teve a coragem de confiar. Somos testemunhas de seu idealismo, de sua fé, de sua crença. (p.93)
Tinha início aí os primeiros sinais de conflitos mais sérios.

A idéia de Universidade-Paróquia que se desejava começava a criar asas com procedimentos que não atendiam a proposta inicial. Chrysantho César, o construtor, a encarna bem e quer manter a instituição dentro desses limites, mas seu temperamento afoito exige de seus auxiliares mais energia do que possuíam e não consegue atingir o seu objetivo.

O conflito que já vinha ocorrendo no decorrer da História pelo divórcio existente entre o que a Igreja esperava de suas instituições de ensino e a primeira experiência sacrificava seu primeiro quadro, Chrysantho César, pastor muito amado e respeitado não só pela comunidade metodista como pelos piracicabanos

Dessa forma, a situação de Chrysantho César passava a ser insustentável como Reitor e Diretor-Geral, abalada pela vontade das pessoas em realmente afasta-lo do cargo. (p.121)
Mesmo assim, Chrysantho César permaneceu no cargo, aguardando a chegada de Richard Senn, oficialmente contratado e nomeado para dirigir a área acadêmica, mas preparado para assumir a direção-geral. (p.122)

Chrysantho César deixara o IEP ainda mais pobre do que sempre foi. E, pior do que isso, doente. Sua úlcera se agravara e muito de sua razão de viver se tinha ido.

Neste episódio se vê o embrião de conflitos futuros. De fato não é a queda de Chrysantho, mas o princípio de recusa do projeto universidade-paróquia com o sacrifício de um quadro metodista muito respeitado.

Richard Senn, indicado por Bittencourt e nomeado pelo Conselho Diretor para substituir Chrysantho não possuía o mesmo estilo, nem de longe gozava da credibilidade e estima dele e o início de sua gestão foi complicado porque, embora dinâmico e com vontade empresarial, criava algumas dificuldades, por várias razões:

1. Foi muito duro com Chrysantho César que era extremamente respeitado, ao dizer-lhe:
O senhor teve capacidade de tocar até aqui, agora não tem mais.

Foi tão duro que, pego de surpresa. Chrysantho nada respondeu, magoado. (p.121)
Esse era o estilo de Richard Senn: direto, prático, objetivo. ‘Ele era muito duro, um administrador de larga visão e competência, mas prepotente’, diz Antonio Carlos Copatto, que se tornaria um dos homens e confiança de Richard Senn. (p.122)

2. Encontrava-se ligado à Igreja Cristã Evangélica e não era considerado metodista:
O próprio Richard Senn admite, em seu depoimento, a sua falta de convivência com a Igreja Metodista. O entendimento disso talvez permita compreender a independência com que Richard Senn quis colocar o IEP e, depois, a Universidade em relação à Mantenedora, a Igreja Metodista. (p. 125)

Como se pode notar sai um pastor estimado, muito afinado com os objetivos da Igreja Metodista e dá lugar a um tecnicista, no dizer do seu mais fiel seguidor muito prepotente. Era a universidade-paróquia sonhada pelos metodistas dando lugar à universidade-empresa realizada por um estrangeiro não metodista.

3.Trouxe com ele grande número de pessoas de onde trabalhava em Goiás para ocupar os cargos de confiança da Instituição, nenhum metodista entre eles.

4.Passou a empregar seus familiares o que repercutiu muito negativamente.

5.Embora honesto, era pouco cauteloso e misturava muito os negócios da Instituição com suas iniciativas particulares.
Quando, em Piracicaba, Richard Senn passou a ser combatido por seus negócios – em que o público e o privado não pareciam ter linhas divisórias – estava de certa forma, repetindo a sua maneira de ser e de agir em Anápolis. (p. 132)

Pesava ainda contra a administração Richard Senn o fator de ele ser estrangeiro e despertar resistência, inclusive na Igreja Metodista, até entre os pastores.

Bittencourt, homem forte da Igreja Metodista e prestigiado por Richard Senn, era insistente na afirmação de que ele por ser estrangeiro não poderia exercer o cargo de Reitor e se apresentava como candidato à função.

Na tentativa de amenizar o conflito e afastar a desconfiança da Mantenedora, Richard Senn envidou esforços de aproximação como a criação do “Conjunto Jovem Som”, que no período exerceu papel importante de mediação e ajudou a amenizar vários conflitos.

Mas o maior problema não era sua figura em si, mas a destinação que se vinha dando ao projeto de universidade, ainda Faculdades Integradas, que pelos cursos abertos, pela visão de mundo que se vivia nela, pelos atos administrativos praticados poderia se vislumbrar um centro de formação profissionalizante que se ia tomando forma sem a participação metodista e muito distante de seus anseios de uma universidade paróquia.

Nesta ocasião era possível perceber que se caminhava para um projeto de universidade que se aproximava do modelo francês napoleônico em que se preservava mais a formação da força de trabalho do que a formação integral buscada até então.

Parecem-me claras estas bruscas mudanças de um projeto de universidade liberal ou do espírito para uma universidade-paróquia e posteriormente para um centro de formação profissional que, um pouco mais tarde, arrasta o Colégio Piracicabano que se transforma em CTU-Colégio Técnico Universitário.

A transformação do Colégio o afastava muito de sua tradição humanística, sustentada ao longo de sua história e o colocava a serviço de uma educação profissionalizante formadora apenas de força de trabalho para atender aos interesses do grande empresariado como impunha o Governo Militar.

Tais alterações, efetuadas à revelia da cúpula metodista no Brasil, constituiu o motivo básico que explica hoje o conflito existente entre a Igreja Metodista e a UNIMEP.

A Igreja continuava a sonhar com uma universidade que fosse um braço estendido seu, mas em Piracicaba, parece-me que a ideia vai em outra direção. Esse texto do Expositor Cristão confirma a insistência da Igreja com o modelo de universidade paróquia.

... uma universidade não poderá possuir, e portanto não poderá transmitir aos alunos, o ideal do caráter cristão, e a atitude cristã para com a vida e com os seus semelhantes, - no sentido evangélico da palavra “cristã”, - a não ser que a orientação da universidade seja evangélica e o corpo docente seja também evangélico; é indispensável proporcionar ambiente evangélico para a consecução do ideal evangélico na esfera da educação, - o ideal do caráter cristão. (Expositor Cristão, 06/09/1945, p.5)

E nesse contexto, na década de 1970 efetivou-se a implantação da Universidade Metodista, que nascia crivada de restrições e marcada de fortes desconfianças.

Em primeiro lugar, dela desconfiava o Conselho Federal de Educação apoiado nesta postura por Bittencourt, conselheiro metodista.

Estive presente em reunião, em Brasília, da qual participava o Conselheiro Relator onde foi exposta uma exigência: a UNIMEP deveria se unir à Universidade de Mogi das Cruzes e à PUC de Campinas para neutralizar a influência de São Carlos e da PUC de São Paulo na região. Esta expectativa foi frustrada pelos rumos que ela tomou.

João Reis em sua tese de doutorado se refere a este fato:
A UNIMEP, vinha, portanto, desde sua especificidade de ser uma universidade, contribuir para a construção da hegemonia da classe representada pelo Estado brasileiro. Conclusão evidenciada nas negociações efetuadas junto ao Conselho Federal de Educação,... Essa Universidade, junto com a PUC Campinas e a Universidade de Mogi das Cruzes, deveriam em conjunto, contrapor-se às Universidades “inquietas” da cidade de São Paulo e da cidade de São Carlos. (p.181-183)
Esta era uma condição imposta para seu reconhecimento.

Dela também desconfiava a Igreja Metodista por não acreditar em seu Reitor estrangeiro e ver com preocupação os rumos que ia seguindo a Instituição, que se agravou com as obscuras transações imobiliárias.

Entendia a principal conselheira do Richard Senn, professora Rinalva Cassiano da Silva, em relação às transações imobiliárias.
... se a Instituição ganhava, não tinha prejuízos, por que ele não ganharia também, se pagava de seu próprio dinheiro e não ocultava de ninguém suas atividades comerciais particulares?A questão dos limites entre o legal e o ético estava novamente colocada em discussão. (ELIAS NETTO, 1994, p.242)

Com sua larga visão empresarial Richard Senn insistia na criação de muitos cursos, todos fora da área de humanas, mais voltados para a formação de força de trabalho e sem condições de funcionamento, o que irritava profundamente o Conselho Diretor, órgão representante da Igreja Mantenedora.

As exigências do Conselho Diretor eram cada vez mais severas e, assim, numa primeira etapa, o projeto daquele curso não foi homologado. Os motivos eram de que os conselheiros haviam encontrado ‘problemas de ordem técnica na descrição da profissão do Fisioterapeuta e do Terapeuta Ocupacional’ e por serem insuficientes ‘as condições mencionadas para por em funcionamento o treinamento prático em laboratório’. (idem, p.246)

Os alunos passaram a fazer denúncias contundentes e diziam:
- a Educação Física não tem quadras, piscinas, os professores não são titulados
- os Cursos de Engenharia não possuem laboratórios, oficinas e faltam até salas de aula.

Denúncias semelhantes vinham de outras áreas como Saúde, Ciências Exatas, etc.

Para aumentar o conflito, a Instituição foi ocupada por vários professores jovens e marxistas, que vieram de instituições de onde foram despedidos.

Esses jovens professores enriqueceram muito o processo. Eles tinham clara a ideia de universidade que queriam como bem expressou Neidson Rodrigues, um dos líderes jovens.

A Universidade tinha que ser independente do regime militar, pequena, mas forte, com representatividade do ponto de vista político. Uma Universidade que formasse lideranças. Éramos jovens e ainda inexperientes. Formamos um grupo de professores e estudantes, dentro da UNIMEP, que tentava elaborar um plano para a Cidade e outro para a Universidade. (idem, p. 278)

Nesta citação já é possível perceber o acirramento das contradições e dos conflitos da UNIMEP, não só em relação à Igreja Metodista, que se viu impotente para cumprir seu compromisso assumido em Brasília, como também ao truculento regime militar, que tinha pavor aos marxistas, aos quais chamava de comunistas.

Sobre essa questão nos informa Maria de Lourdes Covre:
O caráter economicista/tecnicista do processo educacional passa a se revelar, também, na transformação do cientista em técnico social, a transformação de educadores em técnicos educacionais. (p.199)

Além disso cuida-se para que a universidade não seja centro de discussões ideológicas, nem “clube político”, que serve a uma “minoria” de “ativistas”, “agitadores” e prejudica a maioria e o nível de ensino. (p.200)

Com este quadro, o Reitor Richard Senn cai em 1978 e traz um curto prazo de alívio à Igreja Metodista Mantenedora porque, como já dissemos o sentido profissionalizante, o caráter empresarial e tecnicista que havia tomado a Instituição desagrada seriamente a Igreja Metodista, que ainda não desistira da ideia de universidade-paróquia, braço estendido da Igreja.

Ainda a universidade, já com uma nova Reitoria por seu quadro docente e discente, se afasta do ensino profissionalizante, passa a defender sua autonomia, assume claramente postura de esquerda, aproxima-se da Revolução Sandinista da Nicarágua, da Frente Farabundo Marti de Libertação Nacional de El Salvador, de Cuba e da oposição boliviana ao Presidente Garcia Meza, e com estes países realiza seminários de educação popular.

Um bom grupo de professores da UNIMEP, com o apoio da Reitoria e algumas ressalvas do Conselho Diretor, viajou à Nicarágua, onde ocorrera a Revolução Sandinista e também a Cuba, país comunista, o que valeu ao Reitor a acusação de financiar com verba da universidade, a Revolução Sandinista, como denunciou o Estado de São Paulo.

Sobre essa questão também pronunciou o Conselho Diretor:
O Conselho Diretor está mais do que convencido de que agiu corretamente, mesmo porque, agora, após as destituições chegam-nos ao conhecimento inúmeros fatos que por si só justificariam a saída do Prof. Elias, especialmente fatos ligados a movimentos de extrema esquerda, movimentos políticos e ideológicos que não foram levados em conta quando da destituição. (Documento do Conselho Diretor – 03/02/1985)

Esta guinada assusta ainda mais a Igreja, até pela influência causada nos próprios quadros metodistas, que ocuparam o Conselho Diretor e assumiram postura progressista, próxima à Teologia da Libertação.

Como se pode notar a Igreja Metodista, que se alegrou com o enfraquecimento da Reitoria responsável pela proposta empresarial tecnicista, ao mesmo tempo passou a se preocupar com a influência da Teologia da Libertação. O conflito de expectativas continua.

A crise de perspectiva se implantou internamente de modo muito forte, derrubou o reitor e teve início uma nova fase com a implantação de um projeto nitidamente progressista com o apoio de esquerdistas que ocuparam o Conselho Diretor do Instituto Educacional Piracicabano - IEP.

Nesse novo momento internamente modificam-se as relações na comunidade e o processo avança nas seguintes direções:
- descentralização do poder, com o fortalecimento dos colegiados.
- apoio contundente ao movimento estudantil com a criação e apoio ao DCE e aos DAs.
- incentivo às associações representativas de classe.
- empenho no sentido de aumentar a participação de todos nos processos.
- criação interna de um projeto periferia que logo tomou grande vulto na cidade por sua atuação junto aos bairros periféricos e favelas.
- estímulo à criação de grande debate interno, sobre os documentos da Igreja Metodista mediado por vozes notáveis como Hugo Assmann, Mortimer Áries e outros.

A comunidade interna cresceu, tornou-se participativa e se transformou em um bloco muito resistente e compacto.

A partir de 1979 os documentos da Igreja como o Credo Social e Planos Quadrienais começaram a ser examinados, de onde sugiram as primeiras contribuições para o que viria a ser o documento Diretrizes para a Educação na Igreja Metodista.

A participação unimepiana tornou-se forte, apoiada pelo Conselho Diretor do IEP, tomado por progressistas e acompanhado por outros segmentos da Igreja Metodista, logrou a aprovação, depois de sofrido debate e lágrimas derramadas no Concílio Geral de 1982, do Documento Diretrizes para a Educação na Igreja Metodista.

O tom do documento parecia tudo o que aspiravam os unimepianos e por esta razão em menos de três dias de sua aprovação, ainda, sem o imprimatur dos bispos e sob protesto deles o Documento era entusiasticamente distribuído não só em Piracicaba, como em muitas outras cidades brasileiras.

Parecia, por um momento que havia ocorrido o milagre da Igreja Metodista e sua universidade terem acertado os ponteiros e conseguido caminhar juntas em suas expectativas.

Entretanto, só parecia, porque o Documento a rigor não penetrou nas Paróquias e no corpo da Igreja e já a partir de 1983, conservadores metodistas começaram a se organizar e trabalhar uma reação contra a UNIMEP que, rapidamente, passou a ser considerada a “ovelha negra da família”, principalmente na Quinta Região Eclesiástica da Igreja Metodista, a responsável por ela e onde ela se encontrava localizada.

Era bonito de ver a contradição instalada. A mais suspeita e combatida Instituição de Ensino da Igreja Metodista – a UNIMEP, era aquela que mais divulgava e procurava viver em seu cotidiano e de modo prático o Documento Diretrizes para a Educação, aprovado por Ela.

Os conservadores metodistas da Quinta Região Eclesiástica agiram de modo rápido e eficiente e conseguiram, em Concílio Regional realizado em Piracicaba, em janeiro de 1985, derrubar o Conselho Diretor progressista do IEP e ocupá-lo por conservadores metodistas por ele eleitos com o fim declarado de afastarem a administração da UNIMEP.

Eles alegavam que a UNIMEP se afastara dos objetivos de uma universidade verdadeiramente cristã e que se fazia necessário com urgência retomá-la e colocá-la a serviço da missão.

Os metodistas eleitos para o Conselho Diretor afirmavam:
A Unimep é uma universidade particular e confessional. É uma entidade da Igreja Metodista do Brasil sujeita, pois, às suas regras, princípios, estatutos, normas e conveniências. (documento do Conselho Diretor, 03/02/1985, p. 1)
A Igreja Metodista não interviu em nada, apenas utilizou de um direito que é seu, e que não pode ser contestado por organizações alheias e estranhas aos seus princípios. (idem, p.2)

Ainda em janeiro, com a Instituição em férias, alegando a existência de dívida impagável, de fato afastaram o Reitor, Vice-Reitor e Diretor Financeiro de uma só vez.
O Conselho Diretor do Instituto Educacional Piracicabano-IEP, mantenedor da Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP, órgão superior da instituição, no uso de suas atribuições legais, em reunião realizada ontem (sábado), em sua sede em Piracicaba, contando com a presença do Bispo da V Região Revmo. Bispo Messias Andrino, resolveu destituir o reitor Prof. Elias Boaventura e o Vice-Reitor Dr. Almir de Souza Maia. (Documento do Conselho Diretor, datado de 12/01/1985)

Para o pagamento da dívida, haviam conseguido o montante necessário por mediação de Jânio Quadros, então Prefeito de São Paulo, com a condição de que fosse afastada imediatamente toda a Direção.

Alegou ainda o Conselho Diretor a existência de indisciplina, focos de subversão interna e envio de verbas para a Revolução Sandinista, pela Reitoria.

Agravou mais ainda a violência da intervenção o fato de que neste período a UNIMEP e a OLP-Organização para a Libertação da Palestina realizaram em conjunto um encontro da Juventude Palestina e um seminário sobre a questão palestina.

A Federação Israelita fez publicar a este respeito matéria paga nos grandes jornais do País, o que estremeceu a Igreja Metodista e muitas de suas paróquias fizeram semana de oração para salvação da UNIMEP.

Para a Igreja Metodista a repercussão do fato foi o desastre completo, porque sua universidade recusou o modelo de universidade paróquia para se tornar, segundo ela, pela voz de seu Conselho Diretor, uma universidade política, centro de subversão, suspeita perante o governo e a sociedade por ter agora se metido em assunto tão melindroso como a questão palestina.

Mas o Conselho Diretor conservador cometeu alguns equívocos inexplicáveis:
- Em primeiro lugar, subestimou a capacidade de resistência que ocupou os campi, tomou conta do campus centro em especial e impediu a entrada e posse de uma nova reitoria. Professores, funcionários e alunos uniram-se como nunca havia acontecido antes e fortaleceram a muralha de resistência. Não calculou a reação que provocou em todo País com manifestações contundentes dos mais diferentes segmentos, principalmente das universidades.

Mas a grande surpresa foi a posição dos Bispos Metodistas que não concordaram com a intervenção e cerraram fileira junto aos rebelados e contra os interventores do Conselho Diretor.

Vale relembrar a manifestação de dois dos Bispos:
Não apoio e repudio a decisão tomada pelo Conselho Diretor por considerá-la uma afronta às Diretrizes para a educação além de considerar anti-ético a condução à Reitoria da Unimep de membros, recém eleitos para seu Conselho Diretor. Solicito ao irmão rever com urgência a decisão tomada a fim de restaurar a moralidade administrativa da Unimep e salvaguardar propostas do P.V.MI. Bispo Paulo Ayres.
Solidarizo-me com irmãos da Unimep, protestando contra a decisão violenta e anti-democrática do Conselho Diretor. Saudações. Bispo Osvaldo.


Como reação, o Conselho Diretor moveu uma ação de reintegração de posse, obteve êxito e a invasão da Polícia só não aconteceu graças à decisão do Secretário de Estado Paulo Renato do Deputado Federal João Hermann Neto e do grande número de piracicabanos acampados no campus Centro.

Depois de longo período de múltiplas negociações as partes chegaram a um acordo de cancelamento das medidas do Conselho Diretor, e devolução dos cargos ocupados com a condição de que o Reitor não se candidatasse a novo período de gestão.

Veja o sofrido documento expedido pelo Conselho Diretor ao fim da crise:
Tenho a grata satisfação de encaminhar ao Conselho Universitário decisão do Conselho Diretor referente aos cargos da Instituição, colocados à disposição do Conselho Geral da Igreja Metodista.

“O Conselho Diretor, ao discutir e examinar a questão dos cargos de direção da UNIMEP, que foram colocados à sua disposição, decidiu:
- assegurar aos seus titulares a plenitude do exercício de suas funções até o encerramento de seus respectivos mandatos; confirmando-se os seus cargos;
- manter-se neste período em permanente diálogo com a comunidade universitária;
- participar ativamente da coordenação e discussão quanto ao processo sucessório.

Desta “forma, usa este Conselho Diretor da liberdade que lhe foi dada no momento em que os cargos lhe foram liberados”.

Deste modo entende o Conselho Diretor que estão restabelecidas as condições necessárias para que o processo de diálogo Igreja-Universidade tenha prosseguimento.

A intervenção custou caro à Universidade, em acentuado prejuízo financeiro, com a indenização exigida pelos interventores derrotados e também pelo atraso de mensalidades e desistência dos alunos que não suportaram o conflito.

Por decisão da cúpula da Igreja Metodista o IEP-UNIMEP deixaram de pertencer à Quinta Região Eclesiástica e passaram a responder pelos seus atos diretamente a Administração Geral da Igreja.

Tais providências acalmaram as duas instituições, o que atesta o longo e tranqüilo período de Almir Maia, mas não resolveram o problema de diferenças de expectativas. O conflito voltou a explodir com a desastrosa tentativa de intervenção em 2006, que acabou novamente com fragorosa derrota da Igreja, e culminou com o afastamento do interventor.

Hoje o quadro tornou-se extremamente complexo e acentuou mais ainda as diferenças de expectativas entre a UNIMEP e as diferentes Igrejas Metodistas que surgiram nos últimos tempos, mas isto trataremos em um próximo artigo.
Conclusões inconclusas

De fato percebe-se ao longo da História a existência sempre presente de uma tensão entre a Igreja Metodista e a UNIMEP.

A Igreja Metodista, exceto em poucos períodos, manteve sua postura de reivindicação de uma universidade do tipo liberal ou do espírito, que ao longo dos anos transformou-se em universidade-paróquia, braço estendido da mesma Igreja.

A UNIMEP, por seu turno, também com exceção de poucos períodos, manteve sua reivindicação de uma universidade progressista, autônoma, com a atenção voltada, além do ensino e da pesquisa, para as transformações sociais mais radicais.

Também constitui uma invariável, que as tensões existentes se radicalizavam nos momentos de sucessões, com a alegação de crises econômico-financeiras por parte da Igreja, sem que a universidade soubesse controlar.

Nesses entreveros os Conselhos Diretores se viam colocados no olho do furacão e perdiam espaço todas as vezes que tomaram o partido da Igreja Mantenedora, embora causassem severos danos à Universidade.

Tenho concluído que esta tensão é sadia, mantém o equilíbrio entre o desejo de confessionalidade por parte da Igreja e a determinação de autonomia por parte da UNIMEP.

A textura do processo se esgarçava sempre que uma das partes apelava para decisões radicais e rompia com o tecido construído com sacrifício de longos anos de lutas.

Ficou-me ao decorrer do processo de investigação a ideia de que para esta tensão não se conseguirá uma solução definitiva, mas que tanto unimepianos como os metodistas, que às vezes se misturam, estão “condenados” à prática do diálogo, e se alguém haverá de ser derrotado, será aquele que se cansar das conversações e perder a capacidade de dialogar.

Também devemos levar em consideração que se trata de um processo de autonomia relativa, uma vez que as instituições em questão refletem as forças que atuam em seu entorno, mais fortes que ambas e que, se não determinam seus rumos e seu modo de ser, pelo menos os influenciam fortemente.

Conversar, conversar até a exaustão, que não podemos nos permitir, é o nosso confortável ninho, ou se quiserem, nossa agradável sina, da qual não podemos abrir mão, por estarmos fadados à instabilidade.


Bibliografia
- COVRE, Maria de Lourdes. A Fala dos Homens – Análise do Pensamento Tecnocrático – 1964-1981. Editora brasiliense, 1983.
- DRÈZE, Jacques e Debelle Jean. Concepções da Universidade. Edições Universidade Federal do Ceará, 1983.
- ELIAS Neto, Cecílio. Ousadia na Educação – A Formação da UNIMEP. Editora UNIMEP, Piracicaba, 1994.
- FLEURI, Reinaldo Matias. Educação Popular e Universidade. Tese apresentada na Universidade Estadual de Campinas, para obtenção do título de Doutor. Campinas, 1988.
- REIS, João Silva Junior. A Formação da Universidade Metodista de Piracicaba. Um Estudo Histórico sobre Administração Universitária. Tese apresentada na Pontifícia
- Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Doutor. São Paulo, 1992.
- Livro de Atas da Diretoria do Instituto Granbery, 1905.
- Expositor Cristão, 06/09/1945
- ______________, 18/10/1945
- ______________, 15/11/1945
- ______________, Setembro de 1946.
- Documento do Conselho Diretor, 12/01/1985.
- _____________, 03/02/1985.

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