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Espiritualidade
Rio, 15/11/2010
 

Espiritualidade Cristã: Nosso viver é Cristo (Rev. Pedro Triana)

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É característica da pós-modernidade, a procura pelo sagrado, particularmente, à margem das igrejas e religiões estabelecidas, daí o aparecimento e crescimento de comunidades e grupos religiosos alternativos. Ora, poderíamos nos perguntar, isto é espiritualidade? Até que ponto essa procura não termina gerando individualismo, ou espiritualismo? Até que ponto nós mesmos entendemos e compreendemos o significado de nossa espiritualidade?

Primeiramente diria que o termo “espiritualidade” é um termo estranho ao mundo bíblico. No Antigo Testamento “espírito/vento/hálito” (ruah), significa a força e a energia criadora e vivificante de Deus. Em Gênesis 1:2 se diz que “o Espírito de Deus pairava [como uma pomba] sobre as águas”. Também é o vento forte que irrompe com força e com estrondo. Em 1 R 17:11, texto que narra o chamamento de Elias se diz, “eis que passava Yahvé, como também um grande e forte vento, que fendia os montes e quebrava as penhas”. Então, diz Leonardo Boff que o espírito produz e gera vida, está presente em tudo, se movimenta em todas as coisas, penetra em tudo, recreia a terra, é força e poder. E, portanto, partindo desses fatos, afirma que espiritualidade é captar esse movimento do mundo, seu dinamismo, a presença do Espírito em todas as coisas, e também, que Espírito biblicamente falando não é tranqüilidade, mas, “e o vendaval, o vento forte, aquilo que cria que desestrutura a ordem estabelecida e inventa o novo” (Leonardo Boff. “Espírito e corpo”. Em: Mística e espiritualidade. Rio de Janeiro, Rocco, 1994, p.47).

Também no Novo Testamento não encontramos o termo “espiritualidade”. Porém, no capítulo 8 da Carta aos Romanos, que se diz constitui um verdadeiro tratado de espiritualidade, Paulo, refletindo sobre o que significa e vida segundo o Espírito, oferece sua definição sobre a vida cristã. E certamente, não é possível esgotar toda a riqueza e profundidade do texto, mas se quero enfatizar alguns pontos fundamentais.

O primeiro que chama a atenção é a oposição de termos sobre os quais está construído o texto. Contrapõem-se carne-espírito e morte-vida. O termo espírito (pneuma) aparece 16 vezes; o termo carne (sarx) 13 vezes. Segundo o texto, o ser humano carnal é aquele que está orientado em corpo e alma à morte. E o ser humano espiritual é aquele que está orientado em corpo e alma para a vida.

Então, o conceito paulino de espiritualidade não é a vida do espírito liberado do corpo, mas a vida do ser humano liberado da morte: “já não atuamos dirigidos pela carne, mas pelo Espírito... a carne leva à morte; o espírito, entretanto, à vida e à paz“ (Rm 8:4-6). De maneira que a espiritualidade, como um derivado de espírito, é a vida segundo o Espírito, ou seja, orientada totalmente para a vida.

Mas se aprofundamos no texto as raízes e as conseqüências teológicas da espiritualidade, vemos que espiritualidade, ou a vida segundo o Espírito, é obra de Deus através de Cristo: “se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dele” (Rm 8:9). Portanto, o ser humano liberado da morte é o ser humano espiritual. E o ser humano espiritual é quem tem o Espírito de Cristo. Ora, qual é o espírito de Cristo? “Anunciar a boa notícia aos pobres, proclamar liberdade aos cativos, vista aos cegos, liberdade aos oprimidos”, como proclamou Jesus no seu discurso programático na sinagoga de Nazaré (Lc 4:16-21). E também quando disse aos seus discípulos: “o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e para dar a sua vida em resgate de muitos” (Mt 20:28).

Portanto, ter o Espírito de Cristo, é ter consciência da ação transformadora de Deus em nosso mundo, e, sobretudo, ter consciência de nossa responsabilidade de ser também fermento de transformação.

O ser humano espiritual não é aquele que procura Deus afastado da sua realidade, mas aquele que lhe procura e lhe experimenta na construção da vida e se une à sua ação transformadora no mundo. A vida segundo o Espírito se realiza na prática do amor, do serviço, da solidariedade, e do compromisso evangélico com o fazer justiça. Realiza-se sendo, também, fermento de unidade e de esperança.

De maneira que a espiritualidade, que na visão paulina significa ter o Espírito de Cristo, é um estilo ou forma de viver a vida cristã e um dinamismo que nos deve projetar a ações concretas em compromisso com o projeto de Jesus para com os empobrecidos, os fracos, os oprimidos, os excluídos, os discriminados, os marginalizados.

Por isso espiritualidade não pode considerar-se como algo oposto à realidade, mas necessita encarnar-se na realidade e passar de maneira prática e particular através das relações de serviço para com o próximo e a comunidade, porque em caso contrário não teremos o Espírito de Cristo, e se não temos o seu Espírito não poderemos chamar-nos verdadeiramente cristãos.

No entanto, o próximo não é simplesmente aquele que está perto, mas aquele que se aproxima ao outro ou à outra, ou seja, ao tomarmos uma iniciativa de aproximação e solidariedade. E esta iniciativa ou movimento, corresponde ao próprio modo da revelação de Deus na Bíblia. Então, o seguimento de Jesus, em correspondência com a fé bíblica, implica tomar essa iniciativa de aproximação e solidariedade.

Portanto, espiritualidade não pode ser entendida como um conjunto de práticas rituais, ou o compromisso mecânico de ir todos os domingos ao culto ou à missa. Espiritualidade é sentir-nos comprometidos na luta pela vida e pelo Reino. Portanto, toda pretensa espiritualidade orientada para nós mesmos ou para a Igreja como centro de tudo, é o contrário da proposta paulina de viver segundo o Espírito de Cristo. Espiritualidade significa encontrar-nos com o Deus vivo na vida cotidiana, no dia-a-dia, é deixar-nos queimar pelo fogo transformador e libertador do Espírito. Transformação que significa aceitar renovarmos e apresentar sempre um rosto renovado, como pessoas, e como igreja.

Mas temos que diferenciar entre “espiritualidade” e “espiritualismo”. Os “espiritualismos”, porque têm muitos, estão cheios de doutrinas, práticas ritualistas, dogmas. E porque vêm o mundo de forma mecânica, afastam da realidade e dos conflitos da cotidianidade. Por isso, toda prática religiosa que se vive de maneira alienada torna-se alienante tanto para quem a pratica como para os que interagem com pessoas que atuam dessa maneira. O grande desafio da espiritualidade cristã é saber combinar uma vida voltada para os apelos do Espírito na ambigüidade, na confusão e nos conflitos da vida material à que todos estamos sujeitos. Isso significa viver uma espiritualidade integral, que compreenda todas as dimensões do ser humano. Uma espiritualidade onde o corpo, a sexualidade, a fantasia, a musica, a diversão, o trabalho, assim como a luta pela vida, pelos direitos humanos e pela terra, não sejam compreendidos como opostos e diferentes a oração, adoração, contemplação, mística, e reflexão interior.

Conseqüentemente, a oração, e o serviço e a luta por todo o que produz vida, não são dimensões diferentes e opostas da vida no Espírito. A oração, como parte do ser espiritual não é uma fuga ou uma evasão da realidade. A oração deve ser um modo fundamental de nos apropriarmos do Espírito de Jesus. Orar significa estar sempre disponíveis para o encontro e o diálogo com o Infinito, com o mistério do Divino, na prática do amor e da solidariedade, na afirmação da esperança, na construção da vida e no compromisso concreto com tudo o que produza vida.

No Pai-Nosso, que é a mais bíblica e ecumênica de todas as orações, vemos refletido esse sentido horizontal e vertical da espiritualidade. No século III d.C. Tertuliano, um dos primeiros Padres da Igreja, expressou que o Pai-Nosso constitui um compêndio de todo o evangelho (citado por Leonardo Boff. El Padrenuestro – La oración de la liberación integral. Madrid, Paulinas, 1982, p.19). E disse bem o venerável Padre, porque se nos detemos a analisar a também chamada “oração modelo” ou “oração do Senhor”, vemos que constitui um resumo dos grandes temas que tem a ver com a existência pessoal e social de todos os seres humanos, em todas as épocas e em todos os lugares.

Nas três primeiras petições estamos no campo da verticalidade, têm a ver com Deus: o Santo Nome de Deus, seu reinado e a realização de sua vontade. E aqui vale a pena ressaltar que se pede que “venha a nós o reino”, e não “vamos ao teu reino”. Assim, o reino não é uma realidade a-histórica à qual “ascendemos” ou “subimos”, mas uma realidade que em Jesus Cristo se fez historia, dia-a-dia e cotidianidade.

Já a partir da quarta petição entramos no campo da horizontalidade. A quarta, quinta e sexta petição, têm a ver com os seres humanos, com os interesses da comunidade. Pede-se pelo pão, como símbolo do alimento que todas as pessoas têm direito. Pede-se pelo perdão das dívidas que oprimem não já só economicamente, mas que podem desestruturar a vida da sociedade e das pessoas. Finalmente se expressa a solidariedade que deve presidir as relações inter-humanas.

Na sétima petição nos encontramos com as ameaças, a tentação e o mal que pode causar uma situação de dívida econômica para uma família e para a sociedade. O mal que poderia afetar as relações inter-pessoais e sociais. E pede-se a Deus que nos libere dessa ameaça e desse mal.

Então, a oração do Pai-Nosso, interpretado como a oração da libertação integral, vincula e unifica estreitamente o sentido horizontal e vertical que deve ter uma autêntica e genuína espiritualidade.

Dizer hoje esta oração é reconhecer que o Pai-Nosso, como um modelo e compêndio de uma autêntica espiritualidade, não nos eleva ao céu para que esqueçamos o que sucede na terra, mas nos lembra os seres humanos com seus problemas cotidianos que necessitam ser resolvidos. O que pedimos quando dizemos “a oração do Senhor” é que Deus nos ilumine nos anime e nos incentive a ser colaboradores na busca das soluções necessárias para os problemas que afligem nossa sociedade e nosso mundo. Dessa maneira seremos libertados de todos os males pessoais e sociais, para que venha na sua plenitude o reino de justiça, paz e fraternidade, e seja assim feita a vontade de Deus.

E quero terminar esta reflexão com as palavras de um grande místico do século XI, Bernardo de Claraval. Bernardo no seu comentário ao Cântico de Salomão disse: “o Espírito de Deus é como o vento que vai e vem. Nunca pára.Se interiormente e em tua vida te acomodas, se deixas de evoluir, não somente te afastas daquele que nunca pára, mas ele mesmo se aparta de ti”.

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