Uma leitura atenta do Novo Testamento nos mostra a preocupação de Cristo com o direito à alimentação.
Antes da ressurreição, em um momento junto ao mar de Tiberíades, encontrava-se acompanhado de uma multidão faminta. Preocupados, os discípulos sugeriram a Ele que a mandasse de volta para suas casas com o estômago vazio, porque já era tarde, o lugar era deserto e não possuía meios para sustentá-la. Cristo foi enfático: “dêem vocês mesmos de comer a eles”. Sua ordem transformou-se em ação e todos foram alimentados, com o cuidado de não se desperdiçar a sobra.
Em outra situação, na recomendação aos discípulos para a preparação da Páscoa, sua ênfase se volta para o ato de comer. “Preparem a Páscoa, para que comamos”.
No relato da última ceia, o pão e o vinho aparecem como símbolo da concretude da fé, que deve ser vivenciada com os olhos voltados para as necessidades básicas do ser humano aqui e agora.
Creio ser possível dizer que a fé cristã porta uma espiritualidade materializada, que se volta ao atendimento do ser humano. Não é etérea, mas, ao contrário, se preocupa com a pessoa concretamente em um mundo vivido.
Agora ressurreto, novamente junto ao mar de Tiberíades, Ele valorizou, acompanhou e orientou o trabalho braçal dos pescadores, assando-lhes pães e peixes para que pudessem cumprir sua jornada de trabalho em condições favoráveis e percebessem sua presença, no partir do pão, como de fato ocorreu.
Fato revelador desta preocupação se deu com os discípulos de Emaús junto aos quais fez longa caminhada por poeirentas estradas. Convidado para uma parada em casa deles, aceita, fica para o jantar e no partir do pão se revela plenamente a eles, valorizando mais uma vez o sentido da alimentação.
Em visita que fez aos discípulos, que se encontravam amedrontados, declarou de modo contundente – “tenho fome”, indicando ser responsabilidade da comunidade estar atenta aos que sofrem fome.
Nessa atenção dispensada à questão do comer, Cristo demonstra seu cuidado com o corpo e o zelo pelos direitos da pessoa humana, entre os quais a alimentação se encontra como prioritária.
A fé cristã não se volta só para o espírito, não se preocupa apenas com a vida do além, mas se volta, prioritariamente, para o atendimento daquelas condições garantidoras da dignidade humana, como se alimentar, se vestir e morar.
É neste sentido que o pão aparece nos Evangelhos, indicativo de que tentar ensinar alguém com fome, sem se voltar para o atendimento antecipado dessa necessidade básica, constitui um ato de crueldade, simplesmente detestável, que deve ser combatido por todos os modos possíveis, porque compromete o sentido da vida.
Talvez, justamente porque a alimentação seja tão importante é que Cristo, enfaticamente, tenha afirmado: “Eu sou o pão da vida”.
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* Elias Boaventura é professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Unimep e ex-reitor.
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