Hideíde Torres
Temos recebido de Deus uma vocação e um chamado missionários. Se é melhor dar do que receber, como dizem as Escrituras, tal vocação e tal chamado constituem um ponto de partida. Recebemos, então é preciso dar. O oferecimento de nós mesmos a Deus e ao mundo é uma profunda negação de nossos instintos humanos. Somos seres egoístas, que tendem a fechar-se em si mesmos. Por isso, o Espírito Santo precisa vir sobre nós. Os discípulos estavam reunidos no mesmo lugar, com as portas fechadas. Por terem medo do que estava lá fora, sentiam-se seguros, em seu lugar especial. Mas não fomos chamados a estar no mesmo lugar, se não a estar em todos os lugares. Há algumas questões que imagino serem úteis para nos sentirmos fortalecidos pelo Espírito em nosso ministério leigo e pastoral, sob a inspiração do texto de Atos 2.
1. Quando o Espírito age, as portas são abertas: Sentir-se fortalecido pelo Espírito é perceber a necessidade missionária como expansão. Expandir significa, em termos bíblicos, “sair da tenda”, “pôr-se a caminho”, “alargar as estacas”, “abrir a boca para que Deus lha encha”. Precisamos abrir caminhos, tanto em termos missionários quanto em relação a nós mesmos, nossos conceitos, nossos limites, nossas incapacidades, nossas desculpas. A ação do Espírito não pode encontrar em nós, agentes do Reino, portas fechadas. Começando a abrir-nos a nós mesmos, o Espírito também abrirá as portas nas quais a missão se pode encontrar presa.
2. Quando o Espírito age, as pessoas se sentem cheias: temos ouvido nesses dias um chamado de Deus a encher as pessoas. Elas se encontram vazias de esperanças, vazias de perspectivas, vazias de sonhos, vazias de salvação. Não adianta enchê-las de conhecimento mero e simples, ou de doutrinas, ou de costumes... O Espírito, como dá a entender a palavra em grego, é como um vento, uma propulsão, uma dinâmica que permite avanço... Ser cheio do Espírito é ser motivado, despertado. Ao encher-se do Espírito, somos, como os discípulos, capacitados a falar das coisas de Deus. Isso tem a ver com nossa motivação. Se olharmos as circunstâncias, nos fechamos. Se somos motivados por Deus, por meio do Espírito, temos condições de falar. Não podemos dar o que não temos. Cumpre-nos encher-nos, para que possamos encher os demais. Isso também significa que algo precisa ser jogado fora, para dar lugar ao agir do Espírito. Os discípulos tiveram que abrir mão do medo para se tornarem cheios do Espírito.
3. Quando o Espírito age, as pessoas se reconhecem como são, resgatam sua história e sua humanidade: é maravilhoso que, ao ouvir as maravilhas de Deus, as pessoas começam a reconhecer-se na pregação. A ver a si mesmas, refletidas no que ouvem: estamos ouvindo em nossa língua materna... somos pessoas deste ou daquele lugar, mas nos identificamos. Muitas pregações hoje falam a pessoas que não existem, que não conseguimos ver... Estamos errados nisso. Precisamos retornar, cada vez, a uma mensagem que tenha sentido para quem ouve. As experiências da vida falam à nossa humanidade, independente do idioma que se diz. Mães que sofrem por seus filhos; pessoas que sofrem perdas, traumas e dores; gente que perdeu tudo e precisa recomeçar... A história da vida da gente faz grande sentido para nós. É quem somos... por isso, quando o Espírito age, nós nos reconhecemos e, por isso, nos irmanamos, nos aproximamos, jogamos por terra as barreiras. Porque nossa história se enche de significado. Não é por isso que um dos dogmas maiores da Igreja é a encarnação?
Somos convidados a nos encher do Espírito neste tempo e neste lugar. Temos de encontrar sentido em nosso serviço na igreja e no lugar que ocupamos no mundo. Temos de falar uma linguagem que faça sentido neste tempo de Babel. Só um povo transformado pelo Espírito pode reproduzir o amor de Deus de modo eficaz, de um jeito que o povo perdido entenda.
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