IGREJA METODISTA EM VILA ISABEL
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Evangelho
Rio, 26/7/2011
 

A Natureza do Evangelho (Lucas 9.51-56)

Bispo Paulo Lockmann


 

“E aconteceu que, ao se completarem os dias...”


I) Introdução

Esta introdução nos obriga a retornar aos antecedentes desta passagem. Alguns momentos neste capitulo nos esclarecem sobre a que acontecimento se refere Lucas. Primeiro, o tema da morte e da ressurreição aparecem logo na abertura do capítulo 9, onde se fala da morte de João Batista. Herodes, perplexo, dizia: Quem é, pois, este a respeito do qual tenho ouvido estas coisas? Aqui, de certo modo, são os judeus perguntando através do rei Herodes. O texto seguinte mostra uma resposta possível (Cf. Lc 9.10-17), pois a multiplicação dos pães, além de ser resposta imediata, é um recordatório de alguém que, como Moisés, e maior que este, traz sustento ao povo. Isso mostra a natureza irredutível de que Jesus, o Messias, veio para dar também respostas imediatas ao povo – o pão.

Na continuidade, aparece o episódio da confissão de Pedro, onde a dúvida que podia ainda existir é tirada (Cf. Lc 9.18-23). Aí, é afirmado: És o Cristo (Messias) de Deus. Na sequência, Jesus anuncia sua morte e ressurreição: "É necessário que o Filho do homem sofra muitas coisas, seja rejeitado pelos anciãos, pelos principais sacerdotes e pelos escribas; seja morto e, no terceiro dia, ressuscite." Por fim, a titulo de introdução, cabe ainda sublinhar que há uma passagem antes do nosso texto de estudo.

A passagem que complementa esta visão introdutória é a da transfiguração; ali, confirmando o testemunho de Pedro, ergue-se a voz do próprio Deus:“Este é o meu Filho, o meu eleito; a ele ouvi.” (Lc 9.35).

O quadro traz outras memórias simbólicas, quais sejam:

a) O monte recorda que ali se está na intimidade de Deus; Ele é quem define a direção. Como no ministério de Moisés, o Horebe era lugar de encontro com Deus e decisão. O mesmo se pode dizer no ministério de Elias. O Carmelo e o Horebe foram para Elias lugares de decisão, de sair da prostração para a ação (Cf. 1 Rs 18-19).

b) Nesta passagem, Jesus tem seu semblante transfigurado e suas vestes resplandecentes, como Moisés ao descer do monte (Cf. Ex 34.29), e mais, a nuvem desce sobre o monte, num sinal de uma teofania no sentido de manifestação divina. Tudo para confirmar a condição de Jesus como filho de Deus e Messias.

c) E ainda há um anúncio através da conversa com Moisés e Elias, qual seja, acerca da sua morte e ressurreição em Jerusalém: “... foram visto em glória e conversavam com Jesus acerca de sua “partida” – “exodon” que haveria de cumprir-se em Jerusalém (Cf. Lc 9.31).


II) Estudo do texto:

...ao se completarem os dias... (Lc 9.51)

Para Lucas, a história é algo importante, ele escreve como um historiador, traído maiormente pelo pregador, ainda assim nos deu diversas referências históricas; umas herdadas da tradição, outras de suas próprias fontes. Como se pode conferir em Lc 1.5; 2.1; 3.1; 3.23; etc.

Aqui começa nossa aplicação. Deus tem propósitos e os revela a Jesus, e nós somos parte do processo da História da Salvação. Lucas sublinha isso com diversas expressões, como a de Lc 9.51: “No sexto mês, foi o anjo Gabriel enviado...” (Lc 1.26). Ou: “... Hoje, se cumpriu a Escritura que acabais de ouvir...” (Lc 4.21). Isso mostra que o Evangelho é uma herança de fé que precisa ser compartilhada; assim ele se perpetua, geração após geração.

Somos agentes de uma ação salvífica que começa em nós e se estende até os confins da terra. Dois livros da tradição metodista passam esta percepção da missão e da história: Linha de Esplendor sem fim, de Halford Luccock (1). Estranha Estirpe de Audazes, do Bispo Sante Uberto Barbieri (2) . Onde estamos nesta caminhada? Na 1ª RE, há um esforço de ocuparmos com o testemunho metodista todos os municípios do Estado do Rio de Janeiro, isso porque entendemos que mesmo havendo outras Igrejas Evangélicas, na economia do Reino de Deus há uma contribuição que cabe aos metodistas darem.


III) “... em que devia ser assunto (elevado) ao céu...”b>

Aqui está a confirmação do que foi sublinhado em nossa introdução sobre o capítulo 9 de Lucas. A caminhada do Filho de Deus, o Messias e Profeta Jesus, incluiu a morte, o sofrimento, sem os quais não há ressurreição.

À semelhança do que ocorrera com Moisés e Elias, ambos submetidos a lutas, choro e muita dor (Cf. Ex 17.4; 1Rs 19.9-10). Por que é importante dizer isso? Porque estão tentando tirar a dor e o sofrimento da caminhada do cristão com frases tipo: “Pare de sofrer, crente não fica doente, a tal da fé positiva na qual dão ordens a Deus, e tantas outras heresias contemporâneas, que são repetidas tantas vezes nos púlpitos, rádio e televisão e que o povo acaba acreditando.

Até porque é conveniente, quem não gostaria de quitar aflição e sofrimento em sua vida? Mas o problema é que, apesar de atraente e tentador, não é bíblico! O livro de Jó é um exemplo disso. Não é possível encontrar um servo ou serva de Deus na Bíblia, que não tenha sofrido muito para cumprir o ministério que Deus lhes dera. Os profetas, em geral, cumpriram um ministério de dores. Ouçamos alguns:

“SENHOR, tem misericórdia de nós; em ti temos
esperado; sê tu o nosso braço manhã após manhã
e a nossa salvação no tempo da angústia.”
Is 33.2.

“Prouvera a Deus a minha cabeça se tornasse em águas,
e os meus olhos, em fonte de lágrimas! Então, choraria
de dia e de noite os mortos da filha do meu povo.”
Jr 9.1.

“Vinde, e tornemos para o SENHOR, porque ele nos
despedaçou e nos sarará; fez a ferida e a ligará. Depois
de dois dias, nos revigorará; ao terceiro dia, nos
levantará, e viveremos diante dele.”
Os 6.1-2.

Preciso eu dar-lhes mais argumento bíblico? Não, vocês diriam. Mas, eu preciso mostrar mais dois definitivos:

“E, estando em agonia, orava mais intensamente. E
aconteceu que o seu suor se tornou como gotas
de sangue caindo sobre a terra.”
Lc 22.4

“Pelo contrário, em tudo recomendando-nos a nós mesmos
como ministros de Deus: na muita paciência, nas aflições, nas
privações, nas angústias, nos açoites, nas prisões, nos tumultos,
nos trabalhos, nas vigílias, nos jejuns.”
2Co. 6.4-5.

Um lado perverso deste tipo de ensino herético é que junta testemunhos pontuais e circunstanciais de pessoas que viviam numa vida sem Deus, e que se convertem, experimentam a graça salvadora, e fazem propaganda do ministério tal. Só que elas não são instruídas que andar com Cristo não cria um super homem ou super crente imune a intempéries, aflições da vida. E o que ocorre? Essas pessoas vão enfrentar os problemas, novas dores, aflições, do qual como vimos ninguém está imune. E então muitas delas desistem da fé e voltam ao modo de vida anterior, desapontadas, porque o “produto” perdeu a validade. Triste e perverso, mas não para aí. O crente humilde que assiste a tais programas, membro da Igreja há vários anos, começa a ver aquilo, e se pergunta: “Sou crente há 20 anos, dizimista, e nunca consegui comprar um carro, ou ter meu próprio negócio. O que há de errado comigo?”

Diante disso, fica o desafio: vamos crer na vitória que nos é dada em Cristo, mas sem esquecer que não há vitória sem lutas; nossas dores nos levam ao altar de Deus, e ali há graça e misericórdia em abundância.


IV) “...de ir para Jerusalém...”b>

A decisão de Jesus obedece àquilo que estava previsto desde a profecia de Simeão no capítulo 2 de Lucas:

“Simeão os abençoou e disse a Maria, mãe do menino: Eis que este
menino está destinado tanto para ruína como para levantamento
de muitos em Israel e para ser alvo de contradição.”
Lc 2.34.

A narrativa que consta em Lc 9.51-52 traz à tona questões vitais para se entender a natureza do Evangelho. A primeira mostra a opção de Jesus. Davi, o grande rei de Israel, tem em Jerusalém seu princípio e término de suas incursões guerreiras. Jerusalém entra para a história como a cidade de Davi. Jesus fez da Galileia o ponto de partida de seu ministério; em Nazaré, Jesus apresenta seu plano missionário:
“O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos, e apregoar o ano aceitável do Senhor.” (Lc4.18-19).

Trata-se de Jesus começando na periferia: Galiléia era a periferia de Israel, lugar suspeito, onde a pureza da origem judaica era colocada em dúvida; afinal, a Galileia era tida como terra de gentios. O sentido disso pode ser compreendido na afirmação de Jesus: " ... há últimos que virão a ser primeiros...” (Lc 13.30).

Para Jesus, sua base era a Galileia. Seus discípulos eram galileus, homens rudes como Pedro. Galileia era a periferia, terra impura para o Judaísmo ortodoxo, a famosa Galileia dos gentios.

Qual é o sentido do início do ministério do ungido de Deus, o Messias e Profeta Jesus, ocorrer na Galileia? Mateus busca dar uma explicação messiânica para este começo (Cf. Mt 4.12-17). Porém, a intenção de Lucas é apontar na opção de Jesus uma denúncia profética de cunho religioso, social e político. O convite ao arrependimento, a crítica aos religiosos, a bem-aventurança aos pobres confirmam isso. Não é por acaso que ali é o cenário do anúncio da basileia – o reino.

A tradição dos Evangelhos Sinóticos (Mateus, Lucas e Marcos) soube sublinhar esta opção contrastante. Natanael, em João, expressa esse preconceito com os galileus:

“Perguntou-lhe Natanael: De Nazaré pode sair alguma
coisa boa? Respondeu-lhe Filipe: Vem e vê.”
(Jo 1.46).

E Mateus e Lucas, que recuperam o tema do nascimento de Jesus, em tudo deixam claro este contraste entre a realeza e nobreza de Israel, e o nascimento numa estrebaria do Filho de Deus, o Messias.

Há nisso uma denúncia também aos valores e critérios usados em nossa sociedade consumista, especialmente nos ministérios existentes dados ao luxo, luzes e palco. Jesus vestia-se de modo simples e elogiou João Batista por seu modo austero de vida, comparado aos dos sacerdotes:

“Tendo-se retirado os mensageiros, passou Jesus a dizer ao
povo a respeito de João: Que saístes a ver no deserto? Um
caniço agitado pelo vento? Que saístes a ver? Um homem
vestido de roupas finas? Os que se vestem bem e vivem
no luxo assistem nos palácios dos reis.”
(Lc 7.24-25)

Sim, para Jesus e o Reino não importa qual a nossa origem, mas o que vamos fazer com a nossa vida. O seguimento a Jesus é de desprendimento, esvaziamento ou como Ele disse:

“Dizia a todos: Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se
negue, dia a dia tome a sua cruz e siga-me. Pois quem quiser
salvar a sua vida perdê-la-á; quem perder a vida por
minha causa, esse a salvará.”
Lc 9.23-24.


V) “...Indo eles, entraram numa aldeia de samaritanos...”b>

A opção de Jesus, de contrariar o roteiro normal dos judeus no caminho da Galileia para Jerusalém, é de um efeito tremendo, pois aqueles não punham os pés em Samaria, terra mais impura que a Galiléia. As razões históricas deste preconceito podem ser longamente estudadas, mas basicamente se reportam a queda de Samaria como capital do Reino do Norte, e com os povos estrangeiros que vieram povoar Samaria, com seus costumes e religiões, tal evento histórico marca Samaria como terra impura.

A ida dos discípulos a uma aldeia de samaritanos ilustra isso. 1) Não estavam acostumados a verem grupos judeus, isto constitui numa surpresa. 2) Os discípulos que foram até a aldeia samaritana, certamente também não dissimularam seu contragosto de estarem pedindo favor a samaritanos, e certamente demonstraram arrogância do tipo: “Sabem com quem estão falando”. Tomaram uma porta na cara.

Os preconceitos são de todos os tipos, de raça, religião, de status social, etc. Mas todos humilham e desvalorizam o ser humano. Além de todos dividirem, e criarem ódios e ressentimentos. Na base da maioria dos conflitos na história da humanidade, estão os preconceitos de toda espécie. É fruto do pecado que separa de Deus e dos irmãos. Jesus, ao cruzar Samaria, dá uma lição de inclusão. Deus ama os índios, os negros, brancos, pobres, viciados, e todos que de alguma forma sofrem discriminação. Deus ama a todos, e veio a este mundo para salvar todos.

A reação dos discípulos marca de modo claro a diferença entre o coração humano e o de Deus: “Vendo isso, os discípulos Tiago e João perguntaram: Senhor, queres que mandemos descer fogo do céu para os consumir?” (Lc 9.54). Mas a resposta de Jesus aponta a natureza do Evangelho: “Jesus, porém, voltando-se, os repreendeu [e disse: Vós não sabeis de que espírito sois]. [Pois o Filho do homem não veio para destruir as almas dos homens, mas para salvá-las.]. E seguiram para outra aldeia.” (Lc 9.55-56).

Sei que a crítica textual tem sublinhado que as expressões do final do verso 55 e o princípio do 56 não constam dos manuscritos mais reconhecidos do Evangelho de Lucas, mas atribui, sim, originalidade a esta versão em fase de três razões: uma pessoal na qual atribuo valor ao códice D-Bezae Catabrigensis do século V, que reproduz também tradições bem antigas; segundo acompanho a tese de Marshall em seu comentário clássico de Lucas, onde diz que este término está de acordo com a teologia de Lucas; terceiro que nunca ocorre de Jesus repreender os discípulos sem explicitar o porquê, caso que ocorreria se encerramos a passagem sem as expressões: “vós não sabeis de que espírito sois. Pois o Filho do homem não veio para destruir as almas dos homens (e mulheres), mas para salvá-las.”

Aqui está a razão da encarnação de Deus em Cristo, a natureza do Evangelho. A lei e a sinagoga conforme a interpretavam os judeus, especialmente os Rabis, só tinham pedras para oferecer ao povo, muitas legislações, regras; Jesus disse que eles atavam um peso sobre o povo.

Mas o Evangelho não é isso. O Evangelho é graça: “Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie.” (Ef 2.8-9) . Podemos dizer que é compromisso, zelo, consagração, mas é dom gratuito de Deus. Isto é escândalo para os que hoje exigem que o povo sacrifique, quase sempre dando o que não tem. Não se contentam com o preceito bíblico legítimo do dízimo. Querem sempre mais. Vivemos um paradoxo, onde evangélicos sem se darem conta, retornam ao seio da teologia católica, onde salvação, bênçãos, dependem de obras, trata-se do restabelecimento das indulgências.

Mas o Evangelho, mandato que dele recebemos, é ir a todo mundo e pregar a mensagem de salvação dada por Cristo ao mundo. De arrependimento, conversão, nova vida, ter o sentimento de Cristo, a mente de Cristo. Esta mensagem que todos precisamos experimentar e pregar.

Deus seja conosco.


CITAÇÕES:
(1) Luccock. H – Linha de Esplendor sem fim, Rio de Janeiro: Ed. Bennett, 2011.
(2) Barbieri. S.U. – Estranha Estirpe de Audazes. São Paulo: Imprensa Metodista, 1965.

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