O Império Carolíngio, também conhecido como o Império de Carlos Magno, foi o momento de maior esplendor do Reino Franco (ocupava a região central da Europa). Este período ocorreu durante o reinado do imperador Carlos Magno (768 – 814).
Com uma política voltada para o expansionismo militar, Carlos Magno expandiu o império, além dos limites conquistados por seu pai, Pepino, o Breve. Conquistou a Saxônia, Lombardia, Baviera, e uma faixa do território da atual Espanha.
Embora as conquistas militares tenham sido significativas, foi nas áreas cultural, educacional, religiosa e administrativa que o Império Carolíngio demonstrou grande avanço. Carlos Magno preocupou-se em preservar a cultura greco-romana, investiu na construção de escolas, criou um novo sistema monetário e estimulou o desenvolvimento das artes. Graças a estes avanços, o período ficou conhecido como o Renascimento Carolíngio.
Contudo, o que pouco se conhece, é sua influência na liturgia da Igreja e a redescoberta do Antigo Testamento e do judaísmo. A ação de Carlos Magno fez prevalecer uma espiritualidade muito distante da dos Padres da Igreja (Agostinho de Hipona, Tertuliano, Eusébio de Cesárea, etc.).
Houve um retorno ao Antigo Testamento. Carlos Magno introduz a figura de Josué sobre sua pessoa. As leis do Levíticos são reinterpretadas e aplicadas na nova cristandade. A obrigação dominical passou a ser tão severa quanto à obrigação da guarda do sábado. O cristianismo se tornou uma questão de práticas exteriores e de obediência a preceitos. Os carolíngios transformaram o clero numa casta sacerdotal como no judaísmo. Os presbíteros da igreja passaram a ser chamados de sacerdotes e usar roupas sacerdotais.
Este período é conhecido como uma “civilização da liturgia”. A vida liturgia passou a tomar um lugar crescente na vida dos monges em detrimento das atividades apostólicas. Várias celebrações foram inspiradas no livro de Êxodo, como o uso de aspersões de água benta e o uso de incenso e da arca da aliança (sacrário ou tabernáculo para guardar as hóstias) como símbolo do sagrado (assim como a Arca da Aliança guardava o Maná do céu, o tabernáculo passou a guardar a hóstia, o “Corpo de Cristo”). Ocorreu a profissionalização da liturgia, dos cantores e dos participantes da missa.
O moralismo carolíngio é uma tentativa da fé expressar-se e realizar-se nas obras. Carlos Magno e seus sucessores se sentiam como pastores responsáveis pelas almas. A Igreja passou a ter poder inclusive sobre os reis. Se os líderes da igreja percebessem que o rei era indigno, ela retira seu apoio.
Os livros litúrgicos, as bênçãos escritas, as Sagradas Escrituras estavam nas mãos do clero sagrado. O povo estava limitado a pagar o dízimo, assistir às missas e praticar os jejuns e guardar as quaresmas. Toda manifestação da religiosidade popular passou a ser considerada ilegal. Na ação para impedir as heresias e as práticas pagãs, a Igreja passou a usar várias formas de penitências e punições. Os julgamentos deixaram de ser racionais e passaram a ser com a utilização de práticas estranhas como os ordálios (ordálio era a prova judiciária destinada a inocentar ou inculpar um acusado. Consistia em submeter à prova do fogo ou da água o acusado, que, se dela saísse salvo, era em geral declarado inocente, como em Números 5.11-21).
Carlos Magno passou a se sentir um soberano de Cristo no ano 800 dC. “Aos olhos contemporâneos, Carlos fora criado por Deus”. Foi coroado no ano 800 pelo Papa Leão III como Augusto, junto ao túmulo de Pedro e Paulo em Roma. Carlos volta e pretende conduzir o Império a partir de Aachen. Aachen passa a ser sua capital fixa nos seus últimos anos 807 a 814. Nasce novamente uma parte do Império Romano Ocidental. Uma política do Papa para enfraquecer a Igreja ocidental e trazer para si o poder em Roma.
A grande influência de Carlos Magno sobre a igreja teve início em 802 quando reúne clérigos e religiosos num sínodo para exigir o conhecimento, ensino e cumprimento das leis canônicas. “Era o Josué que deu ao povo as leis divinas”. Apesar de existir leis locais, somente a lei cristã era a verdadeira lei do império de Carlos Magno, isso causou um rápido crescimento da elite imperial. Esta elite construiu um poder de comunicação escrita que os principais líderes leigos do Império não possuíam. Entre 814-840 seus sucessores controlaram 180 Sés Episcopais e 700 mosteiros. Alcuíno York (735-804) entrou na corte em 782 e trabalhou para tornar os mosteiros lugares de eruditos. Neste período é possível que se tenha copiado cerca de 50 mil livros na Europa. Nesta época existia a preocupação com os livros litúrgicos para que fossem compreendidos e lidos adequadamente. Por isso só homens adultos e eruditos e bem treinados deviam copiar o Evangelho, livros das missas e salmos. Para isso os religiosos forçaram a fala escrita do Latim de forma correta, levando o povo a ficar cada vez mais alienado da vida religiosa oficial. Para controlar a vida em sociedade, Carlos exigia o juramento dos paroquianos. Isso se transformou em força de opressão. A igreja passou a atacar com a força do Estado as crenças populares mostrando a superioridade intelectual do cristianismo.
O grande reformador da liturgia foi Teodulfo, bispo de Orleães (760– 821). Com o seu trabalho baseado no Antigo Testamento, as imagens dos “santos” se tornaram apenas ajudas para a memória. Eram necessárias, mas não eram “coisas sagradas”. A importância passou a ser data aos objetos usados na liturgia a semelhança do Antigo Testamento e do judaísmo. O mundo religioso de Teodulfo passou a ser dominada pelo texto da Sagrada Escritura do Antigo Testamento. O centro estava nas Escrituras, não nas imagens. A tarefa mais urgente era compreender as Escrituras e explicar o seu conteúdo ao povo “amado de Cristo”.
Até hoje as missas católicas romanas trazem em sua liturgia as mudanças do Período Carolíngio. Muitos elementos judaicos permanecem nas celebrações e passaram a fazer parte da história da Igreja.
Fonte Bibliográfica:
VAUCHEZ, André. “A ESPIRITUALIDADE NO OCIDENTE MEDIEVAL” A espiritualidade na Idade Média Ocidental: (Século VIII a XIII). Tradução Lucy Magalhães. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.
BROWN, Peter, A ASCENSÃO DO CRISTIANISMO NO OCIDENTE, tradução de Eduardo Nogueira, revisão por Saul Barata, 1ª ed., Lisboa, Editorial Presença, 1999.
Voltar