A tríplice dimensão do discipulado (I Co 11:1; Lc 14:25-33)
Rev. Clóvis Pinto de Castro
Introdução
Celebramos em setembro de 2006 os 76 anos da Autonomia da Igreja Metodista no Brasil. No dia 02 de setembro de 1930 a Igreja Metodista do Brasil tornou-se independente da Igreja Metodista Episcopal do Sul, dos Estados Unidos da América. De fato, foi uma independência política e não econômico-financeira, pois por muitos anos a Igreja Metodista brasileira se manteve em parte com recursos financeiros e humanos da Igreja mãe.
Após 76 anos de autonomia há um tema que desafia as igrejas metodistas em todo o Brasil: discipulado. Esse desafio, mesmo que em outras palavras, está há muitos anos presente na Constituição da Igreja Metodista (parágrafo único do artigo 3º, que trata da Missão da Igreja): “A Igreja Metodista cumpre sua missão realizando o culto a Deus, pregando a sua palavra, ministrando os Sacramentos, promovendo a fraternidade e a disciplina cristãs e proporcionando a seus membros meios para alcançar uma experiência de vida progressiva, visando ao desempenho de seu testemunho e serviço no mundo”. Quero chamar a atenção para as últimas palavras: “para alcançar uma experiência de vida progressiva, visando ao desempenho de seu testemunho e serviço no mundo”. Esta é a parte mais difícil da Missão da Igreja. Celebrar cultos, ministrar os sacramentos e promover a fraternidade são os aspectos menos complexos e mais prazerosos da Missão. Porém, desenvolver um estilo de vida que permita o testemunho público da fé – discipulado – é muito mais difícil e desafiador. Viver a fé como discípulo de Jesus Cristo – esse é o maior desafio que temos como cristãos e cristãs. A Igreja também é discípula, ou seja, ela tem compromisso com o projeto de vida de Jesus.
Por isso que, no contexto dos 64 anos da Autonomia da Igreja Metodista, quero convidá-los a refletir sobre “a tríplice dimensão do discipulado cristão”. Mas, afinal, o que é ser discípulo? Não é uma palavra original do cristianismo. Na cultura grega (helênica) era comum encontrar as escolas filosóficas, onde os filósofos formavam seus discípulos: Sócrates, Platão e tantos outros tinham discípulos que ajudavam a propagar determinado tipo de conhecimento. Na cultura judaica, encontramos os discípulos dos profetas. Essas tradições ajudaram na formação dos valores do cristianismo. Nas duas, o vocábulo discípulo está vinculado à imagem “do caminho” e tem como significados: ir para algum lugar com outra pessoa, acompanhar, ir atrás de alguém, seguir, tanto no sentido literal como no significado metafórico de seguir o sentido, entender, seguir a opinião de alguém, concordar, adaptar-se.
De acordo com essas tradições, discipulado significa compromisso com um projeto de vida. No nosso caso, requer um compromisso com o projeto anunciado e vivido por Jesus. É seguimento – caminhar pelos caminhos propostos por Jesus Cristo. A celebração da Autonomia é um bom momento para refletirmos se estamos ou não vivendo como discípulos de Jesus.
No grego, há três vocábulos principais relacionados à palavra discípulo: seguir (akoloutheõ), aprender (manthanõ) e imitar (mimeomaí). Portanto, discipulado significa aceitar o convite para seguir a Cristo, aprender do Seu ensino e imitar seu padrão ético e sua espiritualidade (proposição). Em outras palavras, podemos dizer que ser discípulo é ser seguidor, aprendiz e imitador. Vamos conhecer mais de perto cada uma dessas implicações.
I. Seguir (akoloutheõ) - Há duas possibilidades de seguimento. É possível seguir Jesus como boa parte das pessoas na multidão o seguiam, muito mais como observadores e admiradores do que como discípulos (Lc 14.25). É ser mais um(a) na multidão. O seguir, portanto, nem sempre inclui o ato de se tornar discípulo de forma mais plena. Muitos seguiam a Jesus sem qualquer tipo de compromisso ou vocação. Estavam na cena, mas não atuavam, eram espectadores. Porém, esse tipo de seguimento também é importante, pois pode ser a porta de entrada para o verdadeiro discipulado, que inclui uma relação de proximidade com Jesus, onde o discípulo participa diretamente do dia-a-dia do seu mestre. É uma relação de maior comunhão. Jesus, muito diferente dos Rabinos de sua época, não criava qualquer tipo de impedimento para aqueles que desejavam segui-lo. Não dividia as pessoas entre puras e impuras ou entre fiéis e infiéis. Todos, sem nenhuma exceção, podiam andar com Jesus.
Para aqueles que o seguiam mais de perto como discípulos, Jesus indicou o raiar futuro do Reino de Deus (Lc 9:59-60). Ser um discípulo de Jesus implicava (e ainda implica) numa vocação escatológica, pois se tornavam em colaboradores do futuro. Para isso, precisavam aprender sobre os valores do Reino de Deus.
II. Aprender (manthanõ) – Todo(a) discípulo(a) deve ser um aprendiz. Por meio do ensino e da experiência de vida, deve adquirir o conhecimento que lhe possibilitará a viver uma nova vida (o sentido original do verbo manthanõ é adaptar-se, preparar-se, acostumar-se a). Para ser um mathétés (aprendiz), é necessário que haja o didaskolos (mestre). Os discípulos, ou seja, aqueles e aquelas que o seguiam, precisavam também ser mathétés (aprendizes). Uma característica muito importante do aprendiz é a humildade.
Mais importante do que seguir a Jesus e de desfrutar de sua presença e companhia, era aprender com Ele os saberes relacionados ao Reino de Deus. E como bons alunos e alunas precisavam colocar em prática o que aprendiam.
III. Imitar (Ef 5.1; I Co 11.1, mimeomaí) – Alguns discípulos chegaram a viver o discipulado com tanta intensidade que se tornaram imitadores de Cristo e exemplos de compromisso de fé. Esta dimensão do discipulado tem um caráter ético e comportamental. Imitar a Cristo é perder a dimensão da pessoa pela causa do Reino de Deus e em favor do “mundo”. O principal exemplo neotestamentário é o Apóstolo Paulo, que se tornou um imitador de Cristo – vivendo em intensa comunhão com Ele, deixando sua vida ser transformada pela ação amorosa do Espírito Santo (“Sede meus imitadores, como eu mesmo o sou de Cristo”, I Co 11.1). É a atitude daquele ou daquela que se sente tão agraciado pelas bênçãos e pela presença divina que, como atitude de ação de graças, vive uma vida de profundo compromisso evangélico. Imitação nesse contexto não significa a simples reprodução (cópia) de um modelo de comportamento. Imitar a Jesus (mimeomaí) significa viver sob o mesmo padrão ético e de espiritualidade propostos por Ele. É viver na dimensão do perdão, da graça, da justiça, da solidariedade, do amor, da inclusão – em outras palavras, é viver os valores do Reino de Deus, mesmo reconhecendo a imperfeição, as contradições e os limites comuns a todos os humanos.
Conclusão:
Como afirmamos no início do sermão: celebrar o culto, ministrar os sacramentos e promover a fraternidade cristã são ações relativamente simples para os cristãos. Mas, viver como discípulo e discípula de Jesus é muito mais complexo e desafiador. O discipulado tem diferentes nuances. Vimos que podemos seguir Jesus como observadores ou espectadores (exemplo das multidões), como aprendizes ou como imitadores – vivendo na dimensão dos valores do Reino de Deus.
Porém, o texto de Lc 14. 25-33 deixa claro que devemos analisar muito bem se estamos dispostos a pagar o preço do discipulado. Jesus nos chama a segui-lo, mas não arromba o coração de ninguém. Não faz apelos sensacionalistas e nem coage a alma humana. O ser humano deve avaliar se deseja segui-lo e se está disposto a arcar com os compromissos próprios do discipulado. Seu convite começa sempre com um: “Se alguém vem a mim...”. Aceitar esse convite é entrar numa nova escala de valores.
A Igreja Metodista entende que sua missão é possibilitar aos seus membros “uma experiência cristã progressiva, visando ao desempenho de seu testemunho e serviço no mundo”. Por isso que, no contexto da celebração dos 76 anos da Autonomia da Igreja Metodista, entendo que a expressão “experiência cristã progressiva” pode e deve ser traduzida por discipulado.
Voltar