IGREJA METODISTA EM VILA ISABEL
Fundada em 15 de Junho de 1902

Boulevard Vinte e Oito de Setembro, 400
Vila Isabel - Rio de Janeiro - RJ
CEP: 20551–031     Tel.: 2576–7832


Igreja da Vila

Aniversariantes

Metodismo

Missão

Artigos e Publicações

Galeria de Fotos

Links


Metodismo
Rio, 5/4/2007
 

Os antepassados de Joćo e Carlos Wesley pela linha paterna (Bispo Barbieri)

ZZ Outros Colaboradores ZZ


 

Os antepassados de João e Carlos Wesley pela linha paterna (*)
Bispo Sante Uberto Barbieri


"O testemunho interno, filho, o testemunho interno; esta é a prova, a prova mais verdadeira do cristianismo".
Samuel Wesley

Ao ler o subtítulo dos dois primeiros capítulos, o leitor se perguntará que relação tem os antepassados de João e Carlos Wesley com os adaís (mentores) do metodismo que estudaremos no restante do livro. À primeira vista parece não existir conexão alguma, pois eles viveram antes do movimento metodista, e certamente não teriam podido vislumbrar o que sucederia a ponto de sugerir orientações. Mas, quando passamos em revista a vida desses antepassados, descobrimos que muitas das características que distinguiram os iniciadores do movimento metodista já se revelavam no caráter e na ação daqueles.
Podemos dizer que o movimento metodista no começo do século XVIII, embora historicamente nele tenha seu princípio, suas raízes vão, contudo, até ao século XVII ou antes, à semelhança da Reforma Protestante que não teve sua origem no século XVI com Lutero, mas também muito tempo antes. Em Lutero a Reforma teve seu apogeu e culminância. Forças e homens, desde muitas gerações anteriores, vinham preparando o terreno, abandonando-o com o sangue de seu sacrifício. Do mesmo modo, o que chamamos metodismo alcança seu triunfo em João e Carlos Wesley e outros. Não que o metodismo já existisse como força, e sim que tinha vida embrionária no seio de certos acontecimentos históricos. Os homens não são fenômenos que aparecem repentinamente e se manifestam sem causa e motivos. Às vezes, ou quase sempre, são o resultado de forças que se foram armazenando por muito tempo e que num instante irrompem, abrindo as comportas para impor-se de maneira decisiva e renovadora.
A história do metodismo começa, pois, com os antepassados dos Wesley. De fato, um historiador dessa família assevera que há traços dela já no século X, antes que a Inglaterra estivesse unida sob um soberano. Pelo estudo que faz dos membros dessa família, chega à seguinte conclusão:

"Pelo que até aqui podemos saber desta distinta família, verificamos que seus membros se sobressaíam por seus conhecimentos, piedade, estro (talento) poético e musical. Devemos, além disso, acrescentar outras características igualmente peculiares: lealdade e fidalguia. Volvendo atrás, apenas um passo, ao traçar sua genealogia, encontramos em ambos, o pai e a mãe de Bartolomeu Wesley (deste falaremos mais adiante), pessoas às quais se permitiu mesclar com as mentes notáveis de sua idade, que tiveram a distinção de tomar parte ativa na formação daquela época em seus aspectos moral, religioso e social." (1)

Não nos será possível deter-nos com todos eles, mas nos remontaremos pela linha paterna de João e Carlos Wesley a representante de três gerações anteriores: a Bartolomeu Wesley (1595 ou 96-1680); a João Wesley, o avô (1636-1678); e a Samuel Wesley, o pai (1662-1735). E pela linha materna: a João White (1590-1644), avô materno de Susana; Samuel Annesley (1620-1696), pai de Susana; e Susana Wesley, a mãe (1669-1742).


Bartolomeu Wesley
Bartolomeu Wesley, bisavô de João e Carlos Wesley, era filho de Sir Herbert Westley ou Wesley, do condado de Devon, e de Elizabet Wellesley, de Dongan, Irlanda. Na família houve três filhos: de dois deles nada se sabe; somente Bartolomeu chegou a entrar na história. No seio de sua família recebeu esmerada educação religiosa. Julgando pelas influências religiosas manifestas por Bartolomeu, pode-se dizer que o espírito do puritanismo já se ia desenvolvendo dentro da Igreja Nacional e que havia feito marca na mente de seus pais.

Recebeu sua educação na Universidade de Oxford, onde estudou medicina e teologia. Dele pouco se sabe até o ano 1640, quando a história nos diz que se encontrava à frente da igreja da pequena aldeia de Gatherston e, pouco mais tarde, da de Charmouth. O salário anual que essas duas igrejas lhe pagavam consistia de 35 libras esterlinas e 10 shillings. Pastoreou-as até 1662, antes do "Ato de Uniformidade", quando o expulsaram como "intruso". Durante seu ministério, e especialmente depois, fez grande uso de seus conhecimentos médicos com muito êxito. Nada sabemos acerca do lugar de sua morte, mas estamos certos de que teve de abandonar Charmouth em 1665 devido ao "Ato das Cinco Milhas". Este "ato" exigia que todo pároco destituído de seu cargo devia viver, pelo menos, cinco milhas, distante do lugar onde havia exercido seu ministério. Por essa época já havia caído o governo puritano de Cromwell, que dominara na Inglaterra por cerca de três lustros (qüinqüênios). Ao restabelecer-se a monarquia, todos os párocos adeptos do puritanismo, que era a expressão religiosa adotada pelo governo de Cromwell, tiveram de abandonar suas paróquias que seriam ocupadas por pessoas dispostas a sujeitar-se à realeza e à forma tradicional do anglicanismo.
Foi em conseqüência desse mesmo "Ato", como veremos mais adiante, que seu filho João Wesley (o avô de Carlos e João Wesley) morreu, prematuramente, aos 42 anos de idade, em 1678. Este fato se agravou na mente do velho pai, de tal maneira, que seus últimos anos foram bem amargos, levando-o mais depressa ao sepulcro. Desde que foi afastado do cargo em 1662 e se viu obrigado a abandonar sua antiga habitação, esteve sujeito a vexames, perseguições e limitações promovidas pela Igreja Oficial, que se estabelecera com a monarquia. Devemos recordar que pelo "Ato de Uniformidade", os ministros deviam renunciar a suas idéias puritanas e aceitar o novo estado de coisas, ou então abandonar seus postos eclesiásticos. Mais de dois mil ministros tiveram de deixar suas igrejas. Começou, para eles, uma série de duras experiências que teceram um romance de aventuras extraordinárias, mas de tremendas vivências em que se pôs à prova sua fé, visto como, por questão de consciência, não quiseram adaptar-se à nova situação. Esses ministros, e os fiéis que com eles partilhavam as mesmas idéias religiosas tiveram de reunir-se onde podiam: quer em casas isoladas, ou em sótãos, ou em palheiros (lugar onde se guarda palha, paiol), ou onde quer que lhes fosse dado. Muitas vezes, para chegar a tais lugares, tinham de valer-se de caminhos secretos e também postar vigias. Apesar de toda essa vigilância e cautela, mui freqüentemente aprisionavam grupos e líderes. Bartolomeu, depois de destituído, pode ficar em Charmouth até 1665, exercendo a medicina, pela estima que lhe tinham seus paroquianos. Isto testifica acerca da limpeza de seu caráter, o que lhe permitiu permanecer ali sem temer acusações de parte da gente a que servira durante 21 anos. Sem dúvida, o que mais caracterizou esse homem foi a firmeza de suas convicções.

Fizemos referência ao "Ato das Cinco Milhas", e nessa época ele já era um homem velho, sentia-se esgotado depois de uma longa vida consumida em trabalhos, guerras civis e lutas religiosas. Se, ao restabelecer-se a monarquia, houvesse renunciado a suas convicções religiosas e se submetesse com passiva obediência às exigências da igreja oficializada, poderia viver até o dia de sua morte, no seio de seus amigos paroquianos, aos quais tanto estimava. Entretanto, preferiu ir-se e sofrer o desprezo do mundo. Suas convicções lhe eram mais sagradas que a própria vida e a tranqüilidade. Isto nos ensina que as almas honestas nunca podem trocar sua liberdade de consciência pela liberdade de seus corpos. Preferem tomar sobre si a cruz e morrer por seus ideais. São os que caminham adiante e se detêm somente quando chegam ao final do caminho, sem haver cessado em sua luta por manter bem alto o estandarte de suas mais íntimas convicções. Se Bartolomeu Wesley não houvesse deixado outra coisa atrás de si, além desta estrela luminosa, já se justificaria plenamente sua trajetória no mundo. Certamente foi digno de haver sido o bisavô de João e Carlos Wesley.


João Wesley, o avô
Aquele que leva o mesmo nome do que mais tarde fora, com seu irmão Carlos, o fundador do metodismo, era filho do precedente, e como vimos, chegou a viver somente 42 anos. Foi o pai de Samuel Wesley que, por sua vez, viria a ser o progenitor dos fundadores do metodismo. Como Bartolomeu, foi educado na Universidade de Oxford, sob a direção de homens escolhidos dentre os mais proeminentes guias religiosos dos grupos independentes que alimentavam tendências puritanas. Terminou seus estudos obtendo o grau de Mestre em Artes lá pelos fins do ano 1657 ou princípios de 1658.

Seu lar lhe foi sua primeira escola de religião, e ali herdou o espírito piedoso que lhe assinalou toda a vida. Na escola mantinha a mesma linha de conduta que fosse norma no lar. Desde a infância seus pais o dedicaram ao serviço divino. Quando voltou de Oxford, uniu-se à congregação a que seu pai servia, mas não pode ajudá-lo no ministério porque não fora ordenado. No povoado de Weymouth fez-se membro de um grupo chamado "A Igreja Reunida", perante o qual teve primeiramente ocasião de expor suas próprias convicções religiosas. Tinha paixão pelas almas. Deu testemunho do Evangelho não apenas diante da "Igreja Reunida" de Weymouth, mas também falou das "Boas Novas" aos marinheiros com que costumava encontrar-se ao longo da costa. E, na pequena aldeia de Radipole, juntou muita gente ao seu redor, ensinando-a a adorar e servir a Deus. Nessa época contava somente 22 anos de idade, mas já ardia nele aquela paixão evangelizadora que se manifestaria tão surpreendentemente no coração de seus netos João e Carlos. Como eles, foi grande pregador itinerante, sem ter jamais cargo pastoral próprio e regular. E, além disso, foi o protótipo do pregador a que João Wesley teve de apelar para fazer sua obra: o pregador leigo.

Foi em 1658 que chegou a ser pastor de Winterborn-Whitchurch, no condado de Dorset, embora de maneira irregular. Essa paróquia podia recompensá-lo apenas com 30l libras esterlinas anuais. De passagem, notaremos quão minguados era sempre o sustento que os Wesley obtinham de seus trabalhos pastorais! Talvez nisso encontremos a razão por que João Wesley adquiriu o hábito tão frugal de viver (que se contenta com pouco para a sua alimentação), que lhe permitiu separar tanto de seus haveres para dedicá-los ao bem do próximo. Foi como que necessidade inerente a todos os membros dessa família ter de ajustar-se a receitas mui exíguas. Apesar disso, nunca pensaram estar destituídos da graça de Deus Altíssimo.

Em 1661, João foi chamado à presença do Bispo Ironside para explicar por que ministrava ao povo sem haver sido ordenado ministro. As respostas que deu durante o interrogatório evidenciaram seu espírito equilibrado, iluminado e fiel. Tão concludentes foram, que o bom Bispo lhe disse, ao despedi-lo: “Adeus, meu bom senhor Wesley". Ele convencera seu superior de que seu direito de pregar lhe era dado por autoridade que emanava das próprias Sagradas Escrituras.

Seus inimigos (os que a ele se opunham) sempre fizeram o possível para que caísse em desgraça, e, um dia, pouco depois de sua conversação com o Bispo, assaltaram-no ao sair da igreja e o levaram ao cárcere, acusando-o de não querer submeter-se ao uso da liturgia da Igreja Oficial. Quando o soltaram, voltou a seus labores em Winterborn-Whitchurch. Ali continuou ministrando ao povo até agosto de 1662, quando foi decretado o já mencionado "Ato de Uniformidade". Como seu pai, determinou-se não se submeter às novas ordenanças eclesiásticas e preferiu renunciar a renegar suas convicções pessoais. Com pesar deixou a igreja e se foi a um lugar denominado Melcombe; durante esse período de transição nasceu Samuel, que seria o pai de João e Carlos Wesley.

João viu-se na contingência de sujeitar-se à ajuda caridosa de um amigo desconhecido, que na época possuía uma casa vaga num lugar chamado Preston, perto de Weymouth. Ali continuou, dia após dia, pregando o Evangelho. Mais de uma vez, por esse motivo, teve de ocultar-se ou ser preso. Não obstante, jamais renunciou a seu grande empenho de salvar almas. Essas reiteradas tribulações levaram-no, prematuramente, à morte. Nada, porém, foi suficientemente forte para fazê-lo renunciar à sua alta vocação. Não se preocupava por faltar-lhe ordenação eclesiástica, e sim ia de um lado para outro, ministrando sempre às almas necessitadas. Concluiu sua carreira num lugar chamado Poole, continuando sempre como pregador local e servindo a um grupo de pessoas às quais pregava dia após dia. Morreu como já mencionamos, antes de seu pai Bartolomeu. Sua carreira foi curta, porém gloriosa. Jamais recebeu ordenação eclesiástica, e, apesar disto, sempre se sentiu apoiado em seu trabalho pela aprovação divina. Isto era suficiente para ele.

Tinha por costume levar um diário em que ia anotando suas ações. Gostava de cultivar as línguas orientais. Era franco, leal, sincero e consagrado. Fez os maiores sacrifícios no desempenho de sua missão. Dele se diz o seguinte:
"Em verdade, a história pessoal deste bom homem contém um epítome (resumo) do metodismo que surgiria através da instrumentalidade de seus netos João e Carlos. Seu estilo de pregação, conteúdo, maneira e êxito, tudo revela uma semelhança surpreendente a deles e de seus colaboradores." (2)
Outro autor escreveu acerca do mesmo ponto, o seguinte:
"Embora o neto (João) tivesse mais êxito e se tornasse mais célebre, sem dúvida, na história de João Wesley, o avô, podemos descobrir traços do ponto de partida do espírito, ainda que não da forma, do metodismo." (3)


Samuel Wesley
Chegamos agora ao ponto onde nos cabe falar do neto de Bartolomeu Wesley. Nasceu, como já vimos, em dezembro de 1662, durante um período turbulento. Não se sabe exatamente onde nasceu. Morreu em Epworth, em abril de 1735, depois de longa carreira dedicada ao trabalho da Igreja Anglicana. Filho e neto de não-conformistas abandonou a tradição de seus antepassados e decidiu lançar sua sorte com a Igreja Oficial. Quando chegou a esta decisão, estava estudando numa academia de Dissidentes. Contava 21 anos de idade nessa época. Deixou a academia e foi para Oxford a fim de matricular-se no colégio "Exeter" na categoria de "estudante pobre". Isso aconteceu em agosto de 1683. Ao abandonar os Dissidentes teve de custear seus próprios gastos. Iniciou a carreira na Universidade com 45 shillings. Ali trabalhou como servente e ao mesmo tempo ajudava seus condiscípulos no preparo das lições. Graduou-se Bacharel em Artes em 1688. Durante o tempo que ali esteve, e apesar do curso que deu à sua vida, não pode deixar de revelar que nele ainda perdurava muito do que caracterizara seus antepassados. Quando, anos mais tarde, seus filhos João e Carlos estavam tão empenhados com o "Clube Santo", por eles organizado em Oxford, e tão metodicamente assistiam os prisioneiros no "Castelo", ele lhes escreveu o seguinte:
"Segui adiante, em nome de Deus, pelo caminho reto em que vosso Salvador vos tem dirigido e nas pisadas deixadas por vosso pai que vos precedeu, pois quando era estudante em Oxford, também visitava o "Castelo", do que me recordo com grande satisfação até ao dia de hoje." (4)

Verificamos, portanto, que o interesse pelos pobres e pessoas caídas em desgraça era peculiaridade inerente ao temperamento dos Wesley.

Depois de formado, tomou conta de uma igreja, à qual serviu até que foi nomeado capelão de bordo de um bote de guerra, mas não ficou muito tempo nesse posto. Passou a servir por dois anos em um curato na cidade de Londres. Durante esse período casou-se com Susana Annesley. Desse matrimônio nasceram dezenove filhos. Em 1691 foi enviado à pequena paróquia de South Ormsby, onde ficou até princípios de 1697, quando foi para o povoado de Epworth, no condado de Lincoln. Ali permaneceu até ao dia de sua morte, em abril de 1735.

Sua vida incluiu o período da restauração do rei Carlos II que morreu em 1685, e do governo de Jaime II que o sucedeu no reinado até 1688. Ambos se inclinaram para a Igreja Católica, especialmente o último, que, ao favorecer esse culto, provocou grande discórdia nacional. Esta atitude foi a causa por que a maior parte da nação se opôs a ele. Em 1688 estourou a revolução que obrigou Jaime II a refugiar-se na França. Guilherme III de Orange e Maria, sua mulher, da casa real inglesa, foram declarados juntamente soberanos da Inglaterra. Assumiram o posto em 1689 e governaram o país até 1714.

Coube a Samuel Wesley viver, portanto, durante uma época de grandes convulsões políticas. Isto não foi tudo. Houve, também, notável mudança social na vida da nação. Processava-se grande êxodo do campo para as cidades e vilas. O antigo sistema feudal ia, pouco a pouco, perdendo seu poder, para dar lugar a uma crescente vida comercial e industrial. Os filósofos Hobbes e Locke introduziram a filosofia empírica na vida intelectual. O cientista Newton reduziu o mundo a uma máquina harmônica e completamente sujeita as leis imutáveis. Despertou-se sede intensa por uma vida pletórica (superabundante, exuberante) de riquezas e prazeres. Após o tratado de paz de Utrecht, notou-se grande incremento no comércio e especulação. Organizaram-se várias e notáveis companhias comerciais. Entre elas a Companhia dos Mares do Sul (South Sea Co.), que se propunha explorar as riquezas da América espanhola, considerada mina inesgotável.

Os reis Jorge I e Jorge II reinaram no período compreendido entre 1714-1760. Além disso, desde 1689 se estabeleceu uma pendência com a França, que durou, com ligeiras interrupções, cerca de cem anos. Guilherme III de Orange teve de lutar, ao mesmo tempo, contra Irlanda e Escócia, para estabelecer-se no poder. Seu governo trouxe consigo a corrupção política e religiosa da casa de Hanover, a cuja dinastia pertencia Guilherme. Isto nos ajuda, por certo, a formar idéia geral da situação. Particularmente no terreno religioso, as condições eram alarmantes, como o revela a citação que segue:

"Com a ascensão ao trono da casa de Hanover, a Igreja entrou num período de vida anêmica e inativa: muitos estabelecimentos eclesiásticos foram descuidados. Os serviços religiosos diários foram descontinuados, os dias santificados já não eram levados em consideração; a Santa Comunhão era observada ocasionalmente; pouco se cuidava dos pobres, e embora a Igreja conservasse sua popularidade, o clero era preguiçoso e olhado com desprezo. Ao submeter-se ao estabelecimento da coroa real, o clero geralmente sacrificava suas convicções pelas conveniências, e por isso seu caráter se envilecia (tornava-se vil, aviltado, desonrado). As promoções dependiam exclusivamente da profissão que se fazia dos princípios conservadores. A Igreja se considerava subordinada ao Estado. Sua posição histórica e suas prerrogativas eram ignoradas. E era tratada pelos políticos como se sua função principal fosse apoiar o governo." (5)

Sucintamente, este foi o mundo em que viveu Samuel Wesley. Nós nos maravilhamos de que em tal ambiente pudesse desenvolver-se um homem de seu porte. Isso explica porque o meio ambiente pode não ser o único fator na formação de uma personalidade. Porque, acima de tudo, o que se aninha no coração é o que faz, em última análise, que uma vida floresça em virtude e utilidade. E o que Samuel armazenou nele foi uma profunda fé nos valores permanentes da religião cristã.

Uma olhadela a Epworth nos ajudará a admirar ainda mais a pessoa de Samuel Wesley. Epworth não era lugar muito grande. Era tão-só uma vila que contava com um mercado e dois mil habitantes. Não obstante, distinguia-se por ser o lugar mais importante do Distrito, conhecido com o nome de Ilha Axholme, cujas dimensões eram de 16 quilômetros de comprimento por 6 quilômetros de largura. Epworth era a mais importante das sete paróquias estabelecidas naquela região, e foi dedicada a Santo André. A paisagem não era muito poética. Os terrenos pantanosos que circundavam a região davam-lhe aspecto desolador. O solo era baixo e sujeito às inundações prolongadas. E ainda mais, os habitantes não eram mui corteses com as pessoas que não fossem do mesmo estofo (nível, categoria) social que eles.

O Rev. W. H. Fitchett nos pinta vividamente o caráter hostil dessa gente:

“Cinqüenta anos antes (que Samuel Wesley fosse estabelecer-se ali) essa rude casta havia mantido uma guerra civil mal dissimulada com o engenheiro holandês Comélio Vermuyden, a quem Guilherme de Orange havia contratado para dessecar (tornar seco) esse velho pantanal: rompiam-lhe os diques, espancavam seus operários, queimavam-Ihe as colheitas. Igual atitude conservaram com o próprio Samuel Wesley: acutilavam (golpeavam com cutelo, agrediam com arma branca) suas vaquinhas e mutilavam as ovelhas; rompiam os diques à noite para inundar-lhe o pequeno campo; perseguiam-no amiúde por suas dívidas e trataram, não sem êxito, de queimar abertamente a casa pastoral, para depois acusá-Io de que ele mesmo havia posto o fogo." (6)

Tal foi a comunidade a que serviu, durante trinta e nove anos, com paciência de Jó. Perseguições, ódios, prisões não removeram de seu posto o pároco de Epworth. Manteve sempre um temperamento decidido e valente. Uma vez e outra seus amigos instaram com ele para que abandonasse esse lugar, mas ele não o fez. Em 1705 escreveu ao arcebispo de York, de sua prisão na fortaleza de Lincoln, o seguinte:

"A maioria de meus amigos me aconselha a abandonar Epworth, se é que realmente me proponho sair daqui com vida. Confesso que não compartilho essa idéia, porque imagino que posso ainda fazer algum bem ali; sentir-me-ia covarde se desertasse do meu posto só porque o inimigo concentra seus dardos inflamados contra mim. No momento chegaram a ferir- me, mas creio que não poderão matar-me."(7)

Essas palavras "posso ainda fazer algum bem ali" expressam a confiança maravilhosa de um homem sadio e de uma alma generosa. Oxalá muitos de nós tivesse o mesmo espírito de resistência e esperança! Essa atitude merece respeito e admiração. Evidentemente possuía a paciência de um santo. Mui poucas vezes se põem em evidência os valores morais desse homem. Mas com freqüência se recordam com ironia sua tediosa poesia e suas dívidas. Seria bom verificar se aqueles que acentuam sua inabilidade financeira teriam podido fazer render melhor que ele seus minguados recebimentos, diminuídos ainda mais pela hostilidade perversa de seus paroquianos! Talvez muitos deles se entregassem ao desespero. Samuel fez o que esteve a seu alcance para manter-se em dia, mas não lhe foi possível. Seu escasso salário e família numerosa não lho permitiam. Extraordinário, sem dúvida, foi o fato que em meio a tantos tumultos e necessidades, chegasse a escrever tanta poesia! Isso, certamente, o ajudou a viver.

Apesar de sua pobreza, empenhou-se em dar a seus filhos varões a melhor educação que era possível obter na Inglaterra. Ele e sua esposa sacrificaram tudo a fim de dotá-Ios convenientemente para a vida. Não se pode ler a carta que escreveu a seu filho João, antes que este fosse ordenado, sem deixar de sentir grande admiração por esse homem. Dizia-lhe, entre outras coisas:
"Lutarei durante por obter o dinheiro necessário para tua ordenação e o que for necessário." (8)

Não somente providenciou dinheiro para os filhos que estavam na escola, mas também, dia após dia, escrevia-Ihes cartas que eram de inapreciável mérito. As que escreveram a seu filho Samuel (o mais velho dos varões), durante os anos 1706 a 1708 em que este esteve na universidade, são de tal magnitude, que o lê-Ias ainda hoje nos comove. Qualquer filho poderia sentir-se moral e espiritualmente elevado se seu pai lhas escrevesse. Impregna-as um sensível espírito de piedade, amizade e sabedoria cristã. Não nos admiremos, pois que seus filhos crescessem para ser tão sábios!

Um espírito heróico domina a fé de Samuel Wesley. Ante os desacertos mais trágicos e provas mais terríveis de sua vida, sempre se manteve fiel a Deus. Jamais o deixou de lado. Para ele, Deus era sempre o mesmo. Numa oração que nos deixou, dizia em certo ponto:
"Estou cansado de minhas aflições, meu coração me falha, a luz de meus olhos vai-se apagando,estou afundando-me em águas profundas e não há quem possa ajudar-me. Mas ainda assim, espero em ti, meu Deus. Embora todos me abandonem, o Senhor me susterá e nele encontrarei sempre a mais verdadeira, a mais carinhosa, a mais compreensiva, infindável e poderosa amizade. Deixem-me que nele eu alegre minha alma atribulada e descanse de todas as minhas tristezas." (9)

Escrevendo ao Duque de Buckingham acerca do incêndio de sua casa pastoral em 1709, depois de terminar de contar-lhe daquela noite trágica de incêndio, conclui:
“...tudo está perdido. Louvado seja Deus!" (10)

Esta última frase nos recorda a exclamação de Jó quando perdeu tudo o que de mais querido possuíra na vida. Um pai, com tal fé e esse sereno espírito de submissão ao Senhor, não podia senão influir de modo positivo na vida e pensamento de seus filhos. Esteve sempre mui chegado a sua esposa. Não lhe deu toda a comodidade de que ela precisava, mas lhe deu tudo o que esteve a seu alcance. Escrevendo a respeito dele, depois de trinta anos de vida conjugal, Susana diz:

"Desde que tomei a meu esposo para o melhor ou para o pior, tenho decidido permanecer sempre a seu lado. Onde ele viva, viverei eu; onde ele morra, morrerei eu e ali serei sepultada. Queira Deus acabar comigo e fazer mais ainda, se alguma outra coisa que não seja a própria morte nos chegue a separar." (11)

Por sua vez, ele a tinha em grande estima. No semblante que deixou de sua esposa, em seu poema ”A Vida de Cristo", encontramos estas duas linhas mui belas e expressivas:
"Ela encheu de graça meu humilde teto e abençoou minha vida; em sua bênção me foi muito mais que esposa." (12)

Samuel era homem erudito. Escreveu em latim seu último grande poema sobre Jó. Amou muito a poesia. Foi uma das grandes paixões de sua vida. Ajudou-o em diversas ocasiões a enfrentar as aperturas econômicas. Dominou bem o grego e o hebraico. Gostava de estudar a Bíblia nas línguas originais. Conhecia também algo do idioma caldeu. A João escreveu:

"Estou pensando, já faz algum tempo, em produzir uma edição em formato oitavo da Bíblia Sagrada, em grego, hebraico, caldaico, no grego dos Setenta e na Vulgata Latina, e já fiz alguns progressos nela." (13)

Nessa mesma carta pede a colaboração de João. Como vimos, Samuel foi fiel à sua vocação pastoral. Por 39 anos batalhou com um povo quase selvagem. Mas finalmente saiu vencedor. Em 1732 escreveu a seu filho Samuel esforçando-se por induzi-lo a tomar seu posto. Uma das razões que lhe dava para que aceitasse sua proposta, a que realmente põe em primeiro lugar, é esta:

"Minha primeira e maior razão para isso é que estou persuadido de que servirás a Deus e a seu povo aqui melhor do que eu o fiz; embora, graças sejam dadas a Deus!, depois de quase 40 anos de trabalho entre essa gente, ela estará melhorando muito, havendo mais de cem presentes na última celebração da Santa Ceia, quando geralmente não tenho tido mais de vinte." (14)

Uma vez e outra seus paroquianos tentaram destruir sua obra, mas nem por isso, jamais se descoroçoou (desanimou). Prosseguiu seu caminho. Essa perseverança vamos encontrá-Ia mais tarde aos adaís (líderes) metodistas, especialmente em seus filhos João e Carlos. Estes, tampouco, recuaram quando se viram frente a frente com a oposição mantida pelos clérigos da Igreja da Inglaterra. Coube-Ihes sofrer e esperar longo tempo, mas finalmente os desprezados metodistas se impuseram à consciência pública, contribuindo poderosamente para a própria vida nacional e melhorando sensivelmente àqueles que os haviam perseguido e desprezado.

A religião de Samuel Wesley não era meramente formal. Ele acreditava que a pessoa devia chegar a ter segurança interna da salvação. Sustentava que a alma devia manter relação direta com seu Criador. Antes de morrer, ao ter certeza de seu fim próximo, disse a João Wesley: “O testemunho interno, filho, o testemunho interno; esta é a prova, a prova mais verdadeira do cristianismo.” (15)

E pouco antes de deixar este mundo exclamou:
"Pensai no céu, falai do céu; todo o tempo em que não estamos falando do céu, está perdido." (16)

A religião era para Samuel a maior das realidades. Sempre foi seu mais alto refúgio e seu mais acariciado interesse. Sem dúvida ele teve suas fraquezas. Nenhum homem é perfeito. Tendo em conta, pois, a debilidade humana, seria melhor que avaliássemos o homem pelo que haja produzido de bom e permanente. Está fora de dúvida que a humanidade seria muito melhor se todos os pais fossem fiéis a seu Senhor e dedicados a sua família como Samuel Wesley o foi, e se pudessem oferecer a Deus e à sociedade o tipo de filhos que ele legou à Inglaterra e ao mundo.

NOTAS:
(1) Stevenson, G. J.: "Memorials of the 'Wesley Family", pág 4.
(2) Stevenson, G. J.: Op. Cit
(3) Pelo autor de "Wesley e seus Amigos”
4) Citado por Stevenson, G. J., Op. Cit. págs. 130-131, de uma carta que Samuel Wesley escreveu a seu filho João com data de 21 de setembro de 1730.
(5) “Wesley and His Century", pág. 33. Stevenson, G. J., Op: Cit. pág. 92.
(6) “Wesley and His Century", pág. 33.
(7) Stevenson, G. J., Op: Cit. 92
(8) Stevenson, G. J., Op. Cit. pág 121
(9) Citado de Stevenson, G. J., Op. Cit. Pág 95.
(10) Ver carta em Stevenson, G. J., Op. Cit. 107-109.
(11) Citado de Stevenson, G. J., Op. Cit, pág 61. (12) Idem (She graces my humble roof, and blest my life, Blest me by a far greater name than wife). (13) Idem, pág. 120.
(14) Stevenson, G.J., Op. Cit. pág. 136.

(15) Idem, pág. 136.
(16) Idem, pág. 149.

(*) Texto extraído do capítulo I do livro "Extranha Estirpe de Audazes", escrito pelo saudoso Bispo Sante Uberto Barbieri.

O livro pode ser lido integralmente nesse site. O endereço do livro no site é http://www.metodistavilaisabel.org.br/artigosepublicacoes/descricao.asp?n=47

Voltar


 

Copyright 2006® todos os direitos reservados.