Mea culpa
Pr. Ricardo Gondin (*)
Gosto do rito da missa católica quando, na hora da contrição, os fiéis repetem: “Minha culpa, minha culpa, minha máxima culpa”. Gosto também quando, um pouco antes da Ceia, os protestantes pedem que as pessoas passem alguns momentos em contrição e arrependimento.
Aliás, sinto falta que se fale mais de arrependimento nos dias atuais. Parece até que ninguém mais erra, é mau ou faz besteira. Recentemente, um executivo que lesou milhões de pessoas e foi condenado morreu sem pedir perdão. No Chile, o ditador que torturou barbaramente milhares de inocentes foi enterrado sem que jamais tivesse pedido perdão. No Iraque, vários líderes do antigo regime foram enforcados sem nenhum pedido de perdão.
Lamentavelmente, os próprios cristãos esquecem que em seu primeiro sermão João Batista chamou ao arrependimento. Jesus também começou a pregar repetindo a mesma coisa: “Arrependam-se, pois o Reino dos céus está próximo” (Mt 4.17).
Meus pais me educaram na rigorosa disciplina do cinturão. Ai, como doía! Entretanto, não me ressinto daqueles métodos antiquados — era o único jeito que eles conheciam de corrigir os filhos. Lá em nossa casa errar não era tão grave quanto tentar encobrir ou mentir sobre nossos desacertos.
O mundo precisa que mais pessoas ajam como o publicano da parábola de Jesus em: “Mas o publicano ficou à distância. Ele nem ousava olhar para o céu, mas batendo no peito, dizia: ‘Deus, tem misericórdia de mim, que sou pecador’” (Lc 18.13). Sempre que leio esse versículo conscientizo-me de que precisamos lutar para reverter a atual tendência de culpar os outros, justificando nossos malfeitos.
O presidente George W. Bush precisa pedir perdão por ter mentido. Ele valeu-se de falsos pretextos para invadir outro país. Afirmou que o Iraque armazenava armas de destruição em massa e que abrigava terroristas da Al Qaeda. Depois de uma guerra desigual e de uma série de trapalhadas na ocupação do país, condenou milhões de inocentes a sofrerem e morrerem com uma guerra civil. Em vez de pedir perdão pelas suas falsidades, ele não só insiste no erro como tenta aumentar o número de soldados, em um esforço desesperado de resolver o problema com mais combates.
Algumas das principais lideranças evangélicas norte-americanas precisam pedir perdão por terem se posicionado a favor da guerra. Eles confundiram a mensagem do evangelho com a cultura de seu país; não denunciaram o clima de vingança que se disseminava depois do ataque terrorista de 11 de setembro de 2001; erraram ao procurarem no Antigo Testamento textos para uma “guerra justa”; aderiram aos planos bélicos do Pentágono; alegaram que confiavam nas decisões do presidente evangélico que dizia pedir orientação a Deus. Depois de tanto sangue derramado, tais pastores têm suas mãos manchadas de sangue e devem se arrepender.
O presidente Luis Inácio Lula da Silva precisa pedir perdão por não ter tratado as improbidades éticas de seus auxiliares com rigor. Depois de ter defendido ética na política por décadas, ele não podia simplesmente dizer que não sabia o que acontecia na sala vizinha. Seu currículo ficou manchado e ele se tornou condescendente com os vícios morais que condenam o Brasil a permanecer uma nação injusta.
Algumas das principais denominações evangélicas precisam pedir perdão pelos desmandos administrativos de suas instituições. Editoras, colégios e empreendimentos em rádio e televisão faliram, sumiram com o dinheiro suado de pessoas pobres. A maneira como lidaram com seus fracassos infelizmente repetiu os padrões do mundo: encontrar um bode expiatório, puni-lo e continuar tocando a máquina eclesiástica como se nada tivesse acontecido.
A mídia denunciou vários atos ilícitos praticados pelos evangélicos, e quando se esperava alguma manifestação dos pregadores, houve silêncio. Alguns tentaram explicar os fatos com a alegação de perseguição religiosa. Quando os promotores do Ministério Público apontaram crimes praticados em nome da fé, ouviu-se que eram agentes do diabo.
Entendo que Deus não trata os pecadores com dureza e inclemência. Ele apenas pede que as pessoas sejam honestas quando erram; que não tentem justificar cinicamente suas maldades.
O arrependimento é uma decisão de mudar os rumos da vida; nasce quando, compungidos, desistimos de tentar jogar sobre os outros as conseqüências de nossos atos. Davi foi chamado de “um homem segundo o coração de Deus” mesmo depois de haver cometido adultério e homicídio. Depois de quase um ano tentando encobrir sua perversidade, Davi admitiu sua monstruosa maldade, aceitou a reprimenda do profeta e compôs um Salmo para lamentar seu mal e mostrar como Deus trata os transgressores. “Não te deleitas em sacrifícios nem te agradas em holocaustos, se não eu os traria. Os sacrifícios que agradam a Deus são um espírito quebrantado; um coração quebrantado e contrito, ó Deus, não desprezarás” (Sl 51.16-17).
Assim, proponho um dia de arrependimento para que possamos voltar a sonhar com um mundo melhor.
Soli Deo Gloria.
• Ricardo Gondim é pastor da Assembléia de Deus Betesda no Brasil e mora em São Paulo. É autor de, entre outros, O Que os Evangélicos (Não) Falam, da Editora Ultimato. www.ricardogondim.com.br
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